“Despesas condominiais não constituem dívida civil contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e que residam no imóvel. São obrigações derivadas de rateio, ou seja, são despesas assumidas pela própria coisa, não pelos residentes, mas pela residência, na proporção de suas dimensões ou do que estabelece a convenção: são gravames “propter rem”; desse modo, não podem ficar ao abrigo do art. 1.º, da Lei 8.009/90, conforme interpretação do art. 3.º, IV, da referida lei.”
Com esta ementa do juiz relator Luiz Sabbato, a Quarta Câmara do 1.º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu o agravo de instrumento n.º 715.701-9, inadmitindo a evocação da “lei do bem de família” (8.009/90) para evitar a penhora sobre a unidade devedora. A decisão é mais uma que favorece os condomínios nesse sentido, mas talvez a que com maior clareza dirimiu a questão.
Ilegitimidade
Em seu relatório, diz o juiz Luiz Sabbato que se trata de agravo de instrumento questionando decisão interlocutória do juiz singular que, em execução de sentença para cobrança de despesas condominiais, admitiu a penhora da unidade condominial. Insurgiu-se o agravante, condômino do edifício, sustentando, em síntese, a ilegitimidade da constrição, porque incidiu sobre o imóvel que lhe serve de residência e, assim, protegido pela Lei 8.009/90, e que a decisão do juiz teria sido tomada ao arrepio do texto legal, que em momento algum exclui da proteção os casos de contribuição condominial, excepcionando apenas os de tributos devidos ao erário público.
Lembra, adiante, que a redação do inc. IV do art. 3.º em análise é equívoca. Fala-se ali em impostos, taxas e contribuições, mais parecendo que o tratamento da matéria teria conotação tributária. Ao falar de contribuições, todavia, o texto legal as qualifica de verbas “devidas em função do imóvel familiar”, o que, à obviedade, não caracteriza a contribuição de melhoria como espécie do gênero tributo. “Mas parece, em conseqüência, que se fala em toda e qualquer contribuição necessária à preservação do imóvel com a destinação familiar que lhe foi dada. E aí caberia, embora com alguma discussão, a contribuição condominial como hipótese de excludente de impenhorabilidade.”. diz o relator.
Chega, então, ao ponto de onde foi extraída a ementa citada acima, onde enfatiza que as despesas condominiais não constituem dívida civil, mas obrigações derivadas do rateio e assumidas pela própria coisa, não pelos residentes, com gravame “propter rem”, “sem o que haveria risco do perecimento do complexo condominial, bastando que todos os condôminos se tornassem inadimplentes e se escusassem ao abrigo da impenhorabilidade do mesmo bem que se beneficia com a obrigação”, conclui o magistrado.
Incoerência
O relator levanta, ainda, outro argumento, dizendo: “Não fosse isso, aliás, o crédito trabalhista, dos empregados do condomínio, parte das despesas condominiais, não estaria previsto como exceção à impenhorabilidade, contida no inc. I, do art. 3.º da lei. Seria incoerente que da impenhorabilidade se excluíssem apenas os créditos trabalhistas, mas não aqueles devidos pela conservação material da coisa, aí compreendidos os acessórios de reposição, os instrumentos de trabalho dos empregados, suas obras e serviços, tudo, enfim, destinado à preservação do bem. Este o destinatário, este o obrigado. Não os residente, bom ficar reprisado, mas a residência.”
O julgamento foi presidido pelo juiz Octaviano Lobo, com voto, e dele participou o juiz Térsio Negrato. A íntegra do acórdão está publicada no BDI-Boletim do Direito Imobiliário do 2.º decêndio de fev/98 e na Informativo Abami, caderno de jurisprudência, de jan/98. Cópia, sem ônus, também pode ser solicitada pelo fone (041)224-2709 ou pelo fax (041)224-1156.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB.