Qualquer pessoa, mesmo do povo, tem noção do que seja a posse. A expressão posse é de uso corrente, no sentido de apoderar-se de uma coisa, de fazer-se dono dela, de ocupá-la ou de utilizá-la, de nela se estabelecer. O termo posse nos fornece uma idéia de relacionamento direto entre a pessoa e o bem, de um subjunção deste por aquele, e mesmo de sua conquista, como nos lembram as expressões próximas “apossar-se” ou “tomar posse”.
A posse, segundo define o Código Civil (art. 485), está intimamente ligada à propriedade (Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno, ou não de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade), mas pode situar-se em campo afastado, quando observada sob o ponto de vista de seu dinamismo, no contexto das relações humanas, se situando ora com maior ora com menor ênfase no plano da legalidade.
Enquanto a propriedade é sempre um direito reconhecido, a posse é sempre um fato estabelecido, que pode estar ou não revestido de reconhecimento jurídico. Mas sua importância no mundo jurídico é fundamental, razão por que o Estado, de longa data, tem socorrido o possuidor, colocando a seu alcance medidas enérgicas de proteção possessória, com eficácia contra todos (“erga omnes”), inclusive contra o próprio proprietário.
Natureza jurídica
A polêmica em torno da natureza jurídica da posse ainda não terminou. Diversas correntes e teorias se confrontam no sentido de dar uma explicação legal ao fato, ou seja, de situar a posse no mundo jurídico.
Seu estudo encontra-se sintetizado em duas teorias: a subjetiva (Savigny) e a objetiva (Ihering). Segundo a primeira, dois elementos são essenciais para configurar a posse: o poder físico sobre a coisa, o fato material de ter esta a sua disposição (“corpus”) e a intenção de tê-la como sua, a intenção de exercer sobre ela o direito de propriedade (“animus”).
Segundo a teoria objetiva, a posse se mostra simplesmente como uma relação de fato, que se estabelece entre a pessoa e a coisa. A posse é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o poder de dispor da coisa em qualquer circunstância, menos quando se tratar de mera detenção em nome de outrem.
Muito embora represente um poder de fato, uma relação física entre o homem e a coisa, a posse não se apresente, ao mundo jurídico, unicamente como um fato, pois é também um direito, já elevado à posição de instituição jurídica, merecendo proteção legal.
Como direito, indaga-se se a posse pertence aos direitos pessoais ou aos direitos reais. Os primeiros são ilimitados, por constituírem obrigações entre pessoas; os segundo, restritos, por envolverem relações específicas entre pessoas e coisas.
Em nosso ordenamento jurídico, direitos reais são aqueles que a lei determina, como os mencionados no art. 674 do Código Civil: a propriedade, a enfiteuse, as servidões o usufruto, o uso, a habitação, as rendas expressamente constituídas sobre imóveis, o penhor (sobre bens imóveis), a anticrese e a hipoteca.
Apesar de apoiar-se quase que totalmente na teoria objetiva, o legislador brasileiro tem considerado a posse como um direito pessoal, o que vem merecendo decisões ora favoráveis ora desfavoráveis dos tribunais, sem que se tenha chegado a uma conclusão final.
O aspecto prático de se saber se a posse é um direito real ou pessoal diz respeito à citação dos réus nas ações possessórias. Considerada a posse como direito pessoal, não haveria necessidade de ser citado o cônjuge, ocorrendo o contrário se vista como direito real.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (041)224-2709 e fax (041)224-1156.