Meses atrás, escrevemos a respeito dos contratos-de-gaveta, argumentando que as autoridades competentes deveriam facilitar a transferência dos financiamentos habitacionais, para cada adquirente se sentir verdadeiramente dono de sua moradia.
Há dias, lendo a revista “Business Week International” (13 de novembro/2000), nos deparamos com artigo sobre o livro “The Mistery of Capital” (O mistério do capital), escrito pelo scholar peruano Hernando de Soto, em que o autor mostra as razões por que os pobres continuam a ser pobres. Ou como diz no subtítulo da obra “por que o capitalismo triunfa no Ocidente e falha nos outros lugares”.
Segundo de Soto as pessoas nos países pobres são tão espertas e empreendedoras como as pessoas nos países ricos. A diferença fundamental é que a maioria delas vive como posseiros e não como proprietários. Como não tem título de sua terra, moradia ou negócio, não podem utilizá-los como garantia para financiamentos. Freqüentemente não recebem serviços de água e eletricidade e, se conseguem acumular alguma riqueza, ficam vulneráveis aos desmandos das autoridades.
O autor argumenta que o capitalismo é odiado nos países em desenvolvimento pois os pobres não conseguem acumular qualquer capital. Mesmo assim, informa, os pobres do mundo são proprietários de um patrimônio equivalente a 9 (nove) trilhões de dólares, quase todo na forma de imóveis residenciais. Mas como, em sua maioria, tal patrimônio não está devidamente legalizado ou registrado, de pouco serve para alavancar seus beneficiários, tirando-os da pobreza. Trata-se, no dizer de Hernando de Soto, de “capital morto”, que poderia se transformar em uma máquina de crescimento, como é o capital nos países ricos.
No Brasil é pior
A tese do scholar peruano nos faz lembrar que, no Brasil, além das dificuldades e do custo que fizeram surgir os contratos-de-gaveta, existe outro fator que impede a utilização do patrimônio pessoal como forma de catapultar seu titular a um nível mais alto na escala social. É a lei do bem de família (8.009/90), que, se de um lado protege o proprietário impedindo que seu imóvel seja penhorado por dívidas, de outro lado praticamente tira-o do mercado do dinheiro, pois nenhuma instituição bancária ou financeira lhe dará crédito, pois não pode contar com a garantia de seu bem.
Se a argumentação de Hernando de Soto está correta, sua aplicação no Brasil esbarra em duas dificuldades fundamentais. A primeira é a rigidez e falta de visão de nossas autoridades, que, como já apontamos, parecem não se dar conta de que existe uma diferença extraordinária entre quem é mero detentor ou possuidor de um imóvel e quem é seu proprietário com título registrado. Tal diferença se mostra no zelo e nos cuidados que dão ao imóvel, dentre outras manifestações e atitudes.
A segunda barreira é cultural. Está profundamente enraizada no sistema político, judiciário e econômico do país, ou seja, na elite dominante, a idéia de que o brasileiro ainda é um coitadinho, um hipossuficiente, sem condições de se defender sozinho, que precisa da interferência sufocante dos dirigentes da nação. É preciso ter coragem e revogar todas as leis excessivamente protetoras, para que o brasileiro possa, com suas próprias forças, deixar de ser um eterno pobre coitado.
O que diria Hernando de Soto se viesse ao Brasil?
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709 e fax (41) 224-1156.