Nos últimos anos os proprietários de imóveis vêm apanhando feio nos colegiados de justiça do país. A onda avassaladora de proteção aos mais fracos, aos hipossuficientes, aos consumidores, aos tomadores de crédito e aos devedores em geral tem feito com que os tribunais reformulem sua maneira de interpretar a lei, criando correntes de jurisprudência opostas às de anos anteriores.
Infelizmente, os locadores de imóveis, que são, em sua grande maioria, pessoas de poucas posses e não capitalistas selvagens, foram catalogados ao lado de banqueiros, seguradoras e grandes corporações como agentes perversos e culpados por todos os males que afligem o Brasil. Inquilinos e fiadores foram incluídos no rol dos que merecem a mão condescendente da Justiça.
Poucas decisões beneficiam os locadores, embora estejam respaldados pela lei e pelo contrato. Uma delas proveio da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (RE 336.393-SP, registro 2001/0094308-1), em decisão unânime relatada pelo ministro Vicente Leal, cujo núcleo da ementa está assim ditado:
“As obrigações assumidas pelo fiador em contrato de locação, desde que não limitadas no respectivo pacto, abrangem a de reparar os danos causados no imóvel locado, não se aplicando à hipótese a regra do art. 908 do Código Civil.”
Prescreve o art. 908 referido: “Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado.”
Para entender melhor por que o STJ não aplicou a norma citada, deixando de excluir o fiador do pagamento da indenização ao locador, vejamos alguns detalhes do acórdão, como relata o ministro Vicente Leal.
Locadora de imóvel ajuizou ação sumária de reparação de danos contra a locatária e fiadores. Em primeiro grau, o juiz julgou procedente o pedido em relação à inquilina, mas extinguiu o processo em relação aos fiadores, sob o argumento de que não responderiam pela má conservação do imóvel decorrente de seu uso irregular. Em segundo grau, a Nona Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, por maioria, estendeu a obrigação de indenizar também aos garantes. O mesmo entendimento foi mantido em sede de embargos infringentes. Em recurso especial ao STJ, os fiadores argumentaram que só respondem pelas obrigações contratuais e legais, eximindo-se das decorrentes de atos ilícitos provenientes de culpa da afiançada.
Em seu voto, o ministro relator entendeu inaplicável o art. 908 do Código Civil, pois, no caso, “o pedido indenizatório refere-se ao descumprimento da cláusula que impõe a devolução do imóvel em perfeito estado de conservação”.
“Ora – argumenta o relator – o cumprimento do contrato não se tornou impossível, ao contrário, o locatário poderia tê-lo adimplido integralmente, bastando que realizasse os reparos necessários à conservação do bem locado. Se não o cumpriu, foi por vontade própria, e não porque se tornou impossível o seu adimplemento.”
Evoca a norma de que o fiador só responde pelo que estiver expresso no instrumento da fiança e pelas obrigações advindas do contrato principal, mas, na hipótese sub judice, “os fiadores garantiram integralmente o contrato de locação, devendo responder solidariamente por todas as obrigações contratuais até a efetiva devolução do imóvel, independentemente da conduta culposa ou dolosa do inquilino na conservação da coisa locada”.
Votaram com o relator os ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido e Fontes de Alencar.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709, fax (41)224-1156 e e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.