“- O companheiro que tem filhos não pode instituir em favor da companheira usufruto sobre a totalidade do seu patrimônio, mas apenas sobre a parte disponível. Art. 1576 do CC.
– A companheira tem, por direito próprio e não decorrente do testamento, o direito de habitação sobre o imóvel destinado à moradia da família, nos termos do art. 7o da Lei 9278/96.”
Com grande clareza, os dois ditados constituem a ementa de decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (RE n. 175.862-ES), que dirime questão bem atual e próxima de quem vive em união estável tendo filhos de casamentos anteriores.
Conforme o relatório do ministro Ruy Rosado de Aguiar, os autores ajuizaram ação de revogação de disposição testamentária alegando que seu pai, genro e avô instituíra em favor de sua companheira o usufruto sobre a totalidade do único imóvel que lhe pertencia, reservada aos herdeiros necessários a nua propriedade.
Em primeiro grau, o juiz julgou improcedente o pedido. Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo deu provimento, determinando que “havendo herdeiros necessários, não pode o testador instituir usufruto sobre todo o seu patrimônio, a favor da companheira”. A ré recorreu ao STJ argumentando que a instituição do usufruto vitalício a seu favor não prejudicou o direito à legítima dos herdeiros necessários, e que seu companheiro apenas exerceu a sua liberdade de testar limitada, prevista no Código Civil.
Benefício da lei
Em seu voto, o ministro Ruy Rosado de Aguiar lembra que a questão está em saber se o testador, tendo filhos com outra mulher, poderia ter estipulado cláusula de usufruto no documento em que manifestou a sua última vontade.
Fundamenta:
“A cláusula testamentária que dispõe sobre o usufruto do quinhão dos filhos não pode ser acolhida, pois a liberdade do testador se estende apenas sobre a meação disponível; a outra parte toca livre aos herdeiros necessários. O fato de que sobre essa quota é possível a instituição de limitações, como a cláusula de inalienabilidade, não significa que o testador possa atribuir a outrem que não o titular do quinhão algum direito vitalício sobre aquele patrimônio.”
Porém, a companheira não ficou a ver navios. Observou o relator que “a mulher tem o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à moradia da família, conforme dispõe o art. 7o, § único, da Lei 9278/96. Embora lei posterior ao óbito, deve ser aplicada em situação como a dos autos, na forma do art. 462 do CPC, porque apenas mantém uma realidade que ainda persistia.”
Em suma, a ação proposta pelos filhos e herdeiros foi julgada parcialmente procedente, porquanto a instituição do usufruto não pode se estender além da metade disponível, mas ficou reservado à ré o direito real de habitação sobre a casa de moradia, independentemente do usufruto da meação.
Os ministros Aldir Passarinho Junior, Barros Monteiro e César Asfor Rocha votaram com o relator. Vale repetir o que muitos já disseram: “Há juízes em Brasília.”
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Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709, fax (41)224-1156 e e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.