O leigo – e até alguns profissionais – tem dificuldade em entender a diferença entre a ineficácia e a nulidade de uma alienação imobiliária. Um exemplo prático, tirado de decisão da 4a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ajuda a explicar as conseqüências de um e do outro instituto jurídico.
Para quem está acostumado aos termos jurídicos, basta ler a ementa do acórdão (agravo de instrumento n. 96.001913), que diz:
“A sentença de procedência da ação pauliana beneficia apenas o credor que a promoveu. Em conseqüência, em relação a este é ineficaz a alienação de bens levada a efeito pelo devedor, podendo o credor, autor da pauliana, penhorá-los como se a alienação não tivesse existido.”
O relator do aresto, desembargador João José Schaefer, conta o que aconteceu. Certo credor promovera ação pauliana, julgada procedente, contra devedor que doara a seus irmãos e cunhados os bens que possuía, tornando-se insolvente. A fase de execução estava em andamento, morosamente em decorrência de incidentes processuais, quando o credor tomou conhecimento de que haviam sido penhorados em outro processo e iam à arrematação os bens cuja doação fora anulada na ação pauliana.
Em primeira instância, o juiz indeferiu o pedido de anulação da penhora e arrematação, por entender que a penhora do terceiro credor fora realizada anteriormente à do credor original e que a sentença na pauliana gerara efeitos perante terceiros (nulidade). Na petição de agravo ao Tribunal de Justiça, o credor citou lição de Yussef Said Cahali no sentido de que a pauliana “não aproveita senão ao credor que a exerceu; o ato atacado permanece oponível a todas outras pessoas”.
Inoponível
Fundamentando sua decisão, o desembargador Schaefer lembra que Maria Helena Diniz posiciona-se favorável à tese de que a pauliana tem por escopo revogar o negócio lesivo aos interesses dos credores, repondo o bem no patrimônio do devedor, “aproveitando a todos os credores e não apenas ao que a intentou”, linha de pensamento também recepcionada por parte da jurisprudência.
Tal entendimento, contudo, não é o predominante. Em apoio à sua fundamentação, o relator cita Humberto Theodoro Júnior, para quem “se a pauliana, na visão moderna da doutrina nacional e do direito comparado, não é ação de nulidade, mas ação de inoponibilidade, seu efeito prático não pode beneficiar senão os credores que a exerceram”. Outros autores também arrimam o argumento, dentre os quais o paranaense Lauro Laertes de Oliveira, para quem “o benefício da ineficácia do ato fraudulento reverterá em benefício exclusivo do diligente credor” (“Da Ação Pauliana”).
O relator cita ainda acórdão da 6a. Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, para quem a ação pauliana “não leva à anulação do registro, e sim à averbação da decisão, nos termos do disposto nos arts. 167, II, n. 12, e 246 da Lei 7.015/73”. Nesse sentido, nota de Theotonio Negrão ao art. 593 do Código de Processo Civil: “A alienação ou oneração é ineficaz em relação ao exeqüente, embora válida quanto aos demais, e, por isso, não há necessidade de ser anulado o registro imobiliário.”
Conclusão: o tribunal catarinense determinou a revogação da penhora feita no imóvel pelo terceiro credor, mantendo o bem à disposição do credor que tomou a iniciativa de propor a ação pauliana. A outros credores, sobrarão apenas os espólios da futura arrematação.
Em tempo: Esta é a 200a. coluna “Direito Imobiliário”, da série iniciada em 1996.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709, fax (41)224-1156 e e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.