Ao legislar sobre o tema condomínio, o novo Código Civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro deste ano, cometeu alguns atentados contra a realidade brasileira. Um deles, pouco falado, diz respeito ao quórum para a alteração do regimento interno do prédio.
Fugindo totalmente à prática existente no país e esquecendo-se de que no próprio Poder Legislativo existem percentuais diferentes para a aprovação de leis comuns e de emendas constitucionais, por exemplo, o legislador igualou as exigências tanto para a alteração da convenção do condomínio (diploma máximo da instituição) quanto do regimento interno (regulador de seu dia-a-dia), fixando-as em “dois terços dos votos dos condôminos” (art. 1.351).
Ora, caro leitor, dois terços dos votos dos proprietários de unidades de uma edificação é o número mínimo necessário para constituir o condomínio edilício (art. 1.333), mediante subscrição pelos titulares das frações ideais correspondentes. Ou seja, com 2/3 dos promitentes compradores, independente de reunião, pode-se coligir e aprovar a nova convenção. Dois terços do total de condôminos sempre foi, salvo estipulação diversa da convenção, o requisito obrigatório para alterar a própria.
No caso do regimento interno, que regula aspectos secundários da vida cotidiana dos condôminos, como o uso das áreas comuns, a praxe permitida por lei e prevista nas convenções em vigor no Brasil sempre manteve grande flexibilidade na sua alteração, em razão justamente das mudanças de hábitos e de cultura que acontece nos edifícios ao longo do tempo. Como regra geral, o regimento interno podia ser alterado pelo quórum geral mínimo, ou seja, pela maioria dos condôminos presentes em assembléia geral extraordinária.
A lógica era simples: para alterar a convenção, lei máxima do prédio, quórum de dois terços dos proprietários; para revisar o regimento interno e outras normas menores, quórum da maioria simples. O novo Código Civil, em infeliz cochilada dos deputados e senadores da República, não distinguiu onde deveria ter distinguido. Se ao menos tivessem espelhado no próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados ou do Senado, veriam que há quóruns distintos para a aprovação de leis, conforme sua hierarquia.
A impressão que fica é que o legislador não mora em condomínio, e se o faz, nunca participou de seu processo administrativo ou legislativo, porque desconhece a dificuldade em se reunir mesmo 50% dos proprietários em um mesmo local, na mesma hora, descontando os inadimplentes, os passivos e os que estão viajando ou trabalhando na hora da assembléia. Exigir que dois terços compareçam e votem a respeito de coisas corriqueiras do prédio é, sem dúvida, pedir demais.
Alguns condomínios que tentaram adequar sua organização interna ao novo Código Civil já esbarraram nesta dificuldade. Os síndicos, encarregados de resolver o problema, não sabem o que fazer. Como acontece quando a lei é absurda, já começam a aparecer os estratagemas destinados a dar um jeitinho na situação, como as listas irreais (fraudulentas) de presença ou a aprovação manu militari do novo regimento, independente do quórum legal, mas que fica sujeita a chuvas e trovoadas se questionada na Justiça.
Já que o legislador não teve bom senso, que, espera-se, ao menos o juiz o tenha. Melhor ainda se o artigo 1.351 for alterado, suprimindo a exigência (absurda, repita-se) de dois terços dos condôminos para alterar o regimento interno.