O inquilino continua com o direito de participar das reuniões do condomínio depois que o novo Código Civil entrou em vigor, uma vez que não tratou do assunto em nenhum de seus artigos? A resposta depende da interpretação que se dê à derrogação da antiga Lei do Condomínio (4.591/64). O tema parece simples, mas não é.
O novo Código Civil (Lei 10.406/02) não revogou expressamente a Lei do Condomínio. Expressamente revogados só foram o Código Civil de 1916 e a parte primeira do Código Comercial de 1850 (art. 2.045). Também expressamente o novo diploma legal assegurou a vigência da atual Lei do Inquilinato, ao dizer que “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida.” (art. 2.036).
Quanto às demais leis, para saber se foram ou não derrogadas ou ab-rogadas é preciso fazer uma análise comparativa entre os dois textos. No caso da Lei do Condomínio, salta aos olhos que a sua segunda parte – do artigo 28 ao artigo 70, sobre as incorporações de imóveis – não foi ab-rogada, pois o novo Código em nenhuma parte regulamenta ou faz qualquer referência à incorporação imobiliária.
O problema é saber se os primeiros 27 artigos da Lei 4.591/64, que versam exclusivamente sobre o condomínio, foram totalmente revogados (derrogados ou ab-rogados) pela lei nova, uma vez que esta regulamentou o tema de modo completo, porém não exaustivo. Há cinco ou sete normas da antiga legislação, que não foram disciplinadas pelo Código de 2002. A mais gritante delas é exatamente a participação do locatário nas assembléias condominiais.
O tema estava estampado na Lei do Condomínio, que dizia: “Nas decisões da assembléia que não envolvam despesas extraordinárias do condomínio, o locatário poderá votar, caso o condômino-locador a ela não compareça.” (art. 24, § 4o, com a redação dada pela Lei n. 9.267, de 25.03.96). No novo Código Civil não há nenhuma norma – artigo, parágrafo, inciso – sobre a questão. Em princípio, portanto, os locatários não mais podem comparecer nas assembléias, muito menos votar, como previsto anteriormente. Isto, é claro, se se entender que todo o Título I (arts. 1o a 27) da Lei do Condomínio foi anulado pelo novo Código Civil.
Porém, pode-se fazer uma comparação artigo por artigo, tema por tema, norma por norma do texto novo com o velho, quando então se verá que o novo Código Civil não regulou a matéria cabalmente, ou seja, que alguns tópicos não foram modificados pelo legislador novel. Feito o cotejo (que não cabe no reduzido espaço desta coluna), nascerá profunda dúvida sobre se a revogação tácita da Lei 4.591/64 atinge todos seus primeiros 27 artigos ou se, dentre estes, alguns também se salvaram, por conterem norma não alterada pela nova lei.
Não temos resposta segura sobre a questão, mas nos inclinamos a acreditar que alguns dos efeitos da Lei do Condomínio prevalecerão, seja porque, dada sua especificidade não serão tidos como derrogados, seja porque serão recepcionados pelo julgador e integrados na fundamentação lógica de suas sentenças, a título de eqüidade, analogia ou dado principiológico.
Em favor dos inquilinos pesa o fato de que ocorreu óbvio esquecimento do legislador, porque o projeto do novo Código Civil é da década de 70, do século XX, e o direito a participar das assembléias foi-lhes por primeiro outorgado no início da década de 90, através da Lei do Inquilinato (8.250/91, art. 24, § 4o).