A interpretação da lei não é tarefa fácil, mesmo quando a norma expressa de forma hialina o pensamento do legislador. Fatores circunstanciais devem ser levados em consideração, assim como peculiaridades ligadas ao tempo e ao lugar de sua aplicação.
Por essa razão, ainda hoje (e provavelmente no futuro próximo) continuarão sendo levantadas dúvidas a respeito dos juros e multas cobráveis de condôminos que pagam suas taxas em atraso. Como a de síndico de Curitiba, que pergunta se o novo Código Civil se sobrepõe ao que está definido no regimento interno do prédio.
Apreciando a questão, a advogada Raquel Teixeira de Lima, consultora do TeleCondo, lembra que o condomínio continua sendo regido por lei especial própria (a 4.591/64), naquilo que não foi derrogado pelo Código Civil, que revogou tacitamente a regra que previa a multa de “até 20% sobre o débito” (art. 12, § 3º), ao estabelecer que “o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito” (art. 1.336, § 1º).
“Assim – argumenta a advogada – pela inteligência do artigo supra, constata-se que o limite para imposição de multa é de até dois por cento do valor do débito. E para aqueles casos onde não exista prévia disposição da assembléia acerca de juros, o limite a ser aplicado é de um por cento (1%) ao mês, conforme prevê nossa Constituição Federal.”
Prossegue enfatizando: “O Código Civil se sobrepõe sobre a Lei citada anteriormente, pois revogou tacitamente o artigo que trata da multa e juros, como também se sobrepõe ao Regimento Interno do Condomínio, uma vez que estipula o máximo da multa em dois por cento (2%) e o máximo de juros em um por cento (1%) ao mês.”
No caso específico, conclui lembrando que a multa de 20% estipulada pelo regimento interno “pode ser cobrada até a vigência do novo Código Civil (13 de janeiro de 2002), ou seja, para os débitos vencidos até essa data… A partir daí, a multa tem que ser reduzida ao percentual de dois por cento”.
Norma prevalente
A consultora do TeleCondo lembra, adiante, que o Código Civil de 2002 e a Lei do Condomínio (4.591/64) “devem ser interpretados conjuntamente”, sendo que, onde o Código Civil regula diversamente do que a Lei estabelece, prevalece aquele. Já nos assuntos em que o direito codificado é omisso prevalece a lei especial, desde que não contrária às normas gerais do Código.
No mesmo diapasão, pergunta o síndico se uma assembléia geral do condomínio prevalece sobre o que está estabelecido na convenção ou no regimento interno. A resposta é simples: a decisão assemblear só prepondera quando, feita na forma prescrita (convocação, ordem do dia etc.) e com quórum mínimo, alterar ou revogar expressamente a disposição do regimento ou da convenção que contrariar, ou, excepcionalmente, quando por força de seu reiterado cumprimento, ao longo dos anos, tornar-se norma legítima e exeqüível do condomínio.
Em suma: não é qualquer decisão de assembléia que prevalece sobre a convenção e o regimento, nem qualquer norma geral (mesmo do Código Civil) que derroga uma regra específica da Lei do Condomínio.