O casuísmo do legislador, que cria leis gerais para atender aos interesses de pequeno grupo de pessoas, parece estar patente na nova usucapião inventada por disposição da Medida Provisória 514, de 2010, recentemente convertida na Lei 12.424, de 16 de junho de 2011, e que beneficia ex-cônjuge ou ex-companheiro que permanece no imóvel do casal.
Como lembra o advogado Carlos Roberto Tavarnaro, da Associação Paranaense dos Advogados do Mercado Imobiliário (Apami), a Lei 12.424/11 foi uma espécie de norma genérica, pois além de alterar a Lei 11.977/09, que dispõe sobre o programa Minha Casa, Minha Vida, igualmente trouxe modificações ao Programa de Arrendamento Residencial (Lei 10.188/01), à Lei dos Registros Públicos (6.015/73), à Lei do Parcelamento do Solo Urbano (6.766/79), à Lei do Condomínio e Incorporações Imobiliárias (4.591/64), à Lei da Seguridade Social (8.212/91) e finalmente ao Código Civil vigente (Lei 10.406/02).
A nova forma de aquisição da propriedade, que bem poderia ser denominada de “usucapião do divórcio” ou “usucapião do abandono”, ocorre sempre que um dos parceiros da relação conjugal permanecer no imóvel, após a separação, pelo prazo de dois anos sem a oposição do outro. Note bem: não se trata de usucapião extraordinária ou especial ou urbana ou outra forma de aquisição, em que o prazo mínimo de posse é de 20, 15, 10 ou cinco anos. Agora, para atender a interesses inominados, o prazo é de apenas dois anos.
Vejamos o texto legal, ipsis litteris:
“Art. 9. A Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 [Código Civil], passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.210-A:
Art. 1.210-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.”
O ex-presidente da Apami chama a atenção para o fato de que tal norma trará “acirradas discussões, que vão desde a inviabilidade de que as razões do rompimento do casal gerem efeitos patrimoniais entre as partes, até o debate sobre a temeridade de o legislador eleger um critério baseado em foro íntimo – que inclusive resvala para eventual justificativa do abandono do lar – para extinção de um direito de propriedade”.
Como precaução para as consequências que poderão advir da saída de um dos cônjuges do lar, Carlos Roberto Tavarnaro alerta que “a partir de agora, deve a parte que tomou a iniciativa de sair da propriedade do então casal, não dormir no ponto, para evitar a perda injustificada do imóvel em favor do que permaneceu no bem”.
Enfatiza que a saída da residência do casal (quando esta preencher os requisitos legais para a usucapião) “deve ser documentada por instrumento escrito (quando houver acordo entre as partes) ou regularizada perante o judiciário (quando houver litígio) assegurando assim não haver extinção do direito (à propriedade) de quem saiu do imóvel”.
Não parece uma lei feita sob encomenda?
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.