Num mundo dominado pela internet e pela mídia, temas que não estão na ordem do dia acabam esquecidos, gerando um déficit de conhecimento por parte dos titulares de direitos. É o que acontece com a fiança locatícia, que só é notícia quando se discute se seus efeitos perduram ou não (hoje a resposta é sim) até o final da locação.
Por isso é bom relembrar alguns de seus conceitos e cláusulas menos citadas.
Como se sabe, “pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra” (Código Civil, art. 818). A definição é clara e não exige maiores explicações.
A seguir, o legislador enfatiza o fato de que a fiança não depende da manifestação de vontade do afiançado, ao proclamar que “pode-se estipular a fiança, ainda que sem o consentimento do devedor ou contra a sua vontade” (idem, art. 820). A parte final – contra a sua vontade – não existia no antigo código civilista.
Ao contrário da locação, que admite qualquer tipo de pacto, mesmo oral, no caso da fiança a existência de instrumento escrito é essencial, “e não se admite interpretação extensiva” (Cód. Civil, art. 819), isto é, só vale o que estiver escrito, sem possibilidade de esticar qualquer obrigação assumida pelo fiador, que, aliás, não precisa assumir todos os encargos do devedor, e “pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas” (idem, art. 823). Tal detalhe é importante para quem for convidado a ser fiador, pois poderá escusar-se do ônus restringindo o montante dos compromissos assumidos para que fiquem dentro de sua real capacidade financeira. Num contrato de locação, por exemplo, cada fiador poderá ficar obrigado por somente parte definida do aluguel e encargos (art. 830).
Outra particularidade é que o fiador deve ser “pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança” e que “possua bens suficientes para cumprir a obrigação” (Cód. Civil, art. 825). Se não preencher os três requisitos, o credor poderá não aceitá-lo, como nas hipóteses em que a troca de fiador se torna obrigatória, por falecimento ou insolvência do garantidor original, por exemplo.
Presente na lei mas praticamente sem uso é a cláusula de ordem ou benefício de ordem, pelo qual “o fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor” (Cód. Civil, art. 827). Tal norma é raramente invocada porque contratos locatícios são de adesão e em praticamente todos eles o fiador renuncia expressamente ao benefício, na forma da lei, obrigando-se como “principal pagador, ou devedor solidário” (idem, art. 828).
Cabe ainda lembrar que se dois ou mais fiadores garantirem o mesmo débito, serão solidários entre si, “se declaradamente não se reservarem o benefício da divisão” (Cód. Civil, art. 829) ou se deixarem, cada um deles, de “fixar no contrato a parte da dívida que toma sob sua responsabilidade” (idem, art. 830).
Aos leitores, recomendamos a leitura atenta dos artigos 818 a 839 do Código Civil. Quem estiver bem informado saberá utilizar a legislação com mais segurança e melhor proveito.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.