Artigo Nº 344 – LIMITE AO BEM DE FAMÍLIA

A Lei do Bem de Família tem recebido uma interpretação extremamente elástica por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ), permitindo que o patrimônio residencial das pessoas fique protegido nas mais diversas circunstâncias. Mas, como acontece com as borrachas e elásticos, há sempre um limite máximo de flexão.

Tal limite foi apontado em decisão do STJ em recurso especial (518.711/RO) envolvendo dívida de casal separado de fato, sem partilha, em que cada cônjuge pretendia afastar da penhora o imóvel em que residia, sob a alegação de tratar-se de bem amparado pela Lei 8.009/90.

A ementa do acórdão elucida bem a questão, não deixando margem de dúvida. Veja, na íntegra:

O Superior Tribunal de Justiça já consolidou seu entendimento no sentido de que a proteção ao bem de família pode ser estendida ao imóvel no qual resida o devedor solteiro e solitário. Esse entendimento, porém, não se estende à hipótese de mera separação de fato entre cônjuges, com a migração de cada um deles para um dos imóveis pertencentes ao casal, por três motivos: (I) primeiro, porque a sociedade conjugal, do ponto de vista jurídico, só se dissolve para separação judicial; (II) segundo, porque antes de realizada a partilha não é possível atribuir a cada cônjuge a propriedade integral do imóvel [em]que reside; eles são co-proprietários de todos os bens do casal, em frações-ideais; (III) terceiro, porque admitir que se estenda a proteção a dois bens de família em decorrência da mera separação de fato dos cônjuges-devedores facilitaria a fraude aos objetivos da Lei.”

O relatório do ministro Ari Pargendler esclarece que a sentença de primeiro grau reconhecera a responsabilidade solidária do casal pelos bens da sociedade devedora, por que esta fora dissolvida irregularmente, “mas excluiu da penhora o imóvel onde a mulher reside com a família, mantendo a constrição sobre outros imóveis, inclusive sobre aquele em que o varão reside”. No tribunal de justiça a sentença foi mantida, porque “a Lei 8.009/90 destina-se a proteger não o devedor, mas a sua família. Assim, a impenhorabilidade nela prevista abrange o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o devedor que reside solitário após separação de fato da família”. Em seu voto, ministro julgou que o imóvel ocupado pelo varão também deveria ser beneficiado pela impenhorabilidade, já que a separação ocorreu antes do tempo em que praticaram a fraude e não depois.

Em voto-vista, a ministra Nancy Andrighi discordou da posição do ministro-relator, aduzindo que a proteção do bem de família “não abrange apenas o devedor solteiro. Abrange também o viúvo, o separado judicialmente e o divorciado”. No caso dos autos, contudo, “a separação dos cônjuges, aqui, é apenas de fato, não tendo sido homologada judicialmente, até este momento”. Por isso, “enquanto não dissolvida a sociedade conjugal, naturalmente, todos os direitos e deveres a ela inerentes permanecem válidos, inclusive no que diz respeito ao regime de bens”.

Com a ministra Nancy Andrighi votaram os ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Sidnei Beneti, cada qual manifestando suas razões. O tema é muito interessante mas o espaço acabou. A íntegra do acórdão está publicada na Revista Bonijuris n. 539, de outubro/08, encontrando-se disponível no sítio www.bonijuris.com.br ou www.stj.gov.br.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.