Uma antiga norma do Código Civil de 1916, replicada no Código Civil de 2002, não tem sido colocada em prática, deixando grande número de locadores na mão, sem receber o que lhes é devido a título de aluguéis. Referimo-nos ao penhor legal dos móveis do locatário.
Diz o artigo 1.467 do atual Código Civil: “São credores pignoratícios, independentemente de convenção: […] II – o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas.“ Em leitura direta, excludente, temos, pois, que o locador (dono do prédio ou senhorio) tem penhor legal sobre os bens móveis que o inquilino tiver na unidade locada, como garantia de pagamento dos aluguéis.
E o que significa isso? Valemo-nos da lição do professor Rafael de Menezes, da Universidade Católica de Pernambuco, para esclarecer. Diz ele que não se deve confundir penhor com penhora, pois aquele é “direito real de garantia”, enquanto esta é “ato do oficial de justiça no processo de execução”. Como direito real de garantia, o penhor incide sobre bens móveis, podendo ser convencional (mediante contrato) ou legal (por literal disposição de lei).
Na locação de imóveis, o senhorio torna-se credor pignoratício de todos os bens que guarnecem a residência ou o escritório do inquilino, independente de tal condição constar em contrato, pois o substrato jurídico está na própria legislação. “O locador pode se apossar dos móveis do inquilino para se ressarcir de eventuais aluguéis não pagos”, alerta. É o mesmo que acontece com os bens dos hóspedes de hotel, pensão e assemelhados, caso em que “o credor poderá tomar em garantia um ou mais objetos até o valor da dívida” (Cód. Civil, art. 1.469).
Em geral, para se valer do direito ao crédito pignoratício, deve-se recorrer à Justiça. A lei excetua tal norma justamente quando trata do penhor legal outorgado a hoteleiros e senhorios, permitindo que haja o “penhor com as próprias mãos!”, no dizer do professor citado, com a ressalva de que não se deve recorrer à violência para o exercício de tal direito. O fundamento legal está no artigo 1.470 do Código Civil, que preceitua: “Os credores compreendidos no art. 1.467 [hospedeiros e senhorios], podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem.”
Como precaução, recomendamos que os locadores só se utilizem desta prerrogativa mediante prévio conhecimento e autorização de juiz de direito. A constituição do penhor legal implica responsabilidades, também, para o locador, como a guarda e conservação dos bens retirados do inquilino e, posteriormente, sua alienação judicial ou amigável, na forma disciplinada pela lei.
Resumindo: se não houver fiador idôneo ou se a garantia em dinheiro já tiver sido esgotada pelos aluguéis em atraso, o penhor legal dos bens do inquilino talvez seja a única saída para o proprietário não perder seu crédito. Ao contrário da penhora, o penhor legal permite a constrição de móveis, máquinas, materiais etc. de uso do inquilino e sua família.
O tema está amplamente regulado em 42 artigos do Código Civil, do 1.431 ao 1.472.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709 e e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.