Se você tem um filho pródigo, gastador inveterado que seguramente dissipará a herança que um dia receber, o que você pode fazer para garantir-lhe um mínimo de bem-estar material, com o menor risco econômico e jurídico possível? Se pensou no usufruto, acertou. Mas há outro instituto jurídico, assemelhado, que oferece maior segurança ao desmiolado herdeiro. É o direito real de habitação.
Mais restrito que o usufruto, o direito de habitação constitui espécie do direito real de uso, consistente na garantia assegurada a alguém de residir com seus familiares em imóvel de propriedade de terceiro, pelo prazo indicado ou até a data de seu falecimento.
Tal direito não está sujeito a execução judicial por dívidas, como a propriedade comum; não sofre qualquer tipo de ataque, como os imóveis gravados com cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade; nem permite que o exercício de seu direito seja transferido a terceiros, como no usufruto. Obriga a que o beneficiário resida pessoalmente no imóvel, sob pena de perder o beneplácito, não podendo ser cedido, emprestado ou alienado a terceiros, em nenhuma hipótese.
Para pessoas altamente individadas, que já não possuem imóvel residencial próprio protegido pela lei do bem de família (8.009/90), talvez esta seja a derradeira solução contra a tenacidade dos credores, ou a incontrolável compulsão do seu apadrinhado em consumir todo e qualquer patrimônio ou direito disponível que lhe caia nas mãos.
Os mestres dizem que o direito real de habitação tem “função econômica irrelevante nos tempos presentes “(Orlando Gomes), ou que se trata de “instituto decadente diante dos nossos costumes”(Washington de Barros Monteiro). Têm razão. Todavia, sua utilidade continua válida nos dias atuais, só não sendo mais empregado por falta de maior conhecimento, especialmente por parte das pessoas que elaboram escrituras e das que orientam as pessoas a administrar seus interesses patrimoniais, como advogados e corretores de imóveis.
Diz Orlando Gomes que “o direito de habitação tem cunho personalíssimo, não podendo ser transferido, nem mesmo seu exercício. O titular o exerce, residindo na casa alheia. Tem, portanto, destinação invariável. A casa não pode ser habitada por outrem, nem ser usada para outro fim. (…) Seu direito restringe-se a ocupar a casa alheia, com a família. Não pode alugá-la nem emprestá-la.” Tantas restrições, que aparentemente tornam desinteressante o direito real, servem exatamente para acalmar a sanha, ou o azar, do pródigo.
Maria Helena Diniz enumera dentre os direitos do habitador os seguintes: morar na casa com sua família, podendo hospedar parentes e amigos, desde que estes não paguem tal hospedagem; exigir que o dono do imóvel respeito esse seu direito de moradia; defender sua posse por meio de interditos possessórios, não só contra terceiros mas também contra o proprietário do imóvel; receber indenização pelas benfeitorias necessárias que fizer. Dentre as obrigações, aponta: guardar e conservar o prédio; não alugar nem emprestar o imóvel; fazer o seguro; pagar todos os tributos que recaírem sobre o imóvel; restituir o prédio ao proprietário ou herdeiros, no estado em que o recebeu, salvo deterioração derivada do uso regular.
Tal direito real de habitação, que não se confunde com o instituto idêntico de natureza familiar (Lei 9.278/96, art. 7.º e Código Civil, art. 1.611, § 2.º), para constituir-se depende de manifestação da vontade do proprietário do imóvel, através de escritura levada a registro ou de testamento, podendo também ser adquirido por usucapião, no entender de Orlando Gomes.
O importante, no restrito âmbito desta coluna, é transmitir ao leitor o conhecimento básico de que nosso Código Civil mantém à disposição um instituto pouco utilizado, mas ainda muito útil, proteção eficaz para o filho querido, a empregada de longos anos que se aposentou, a tia inválida ou o amigo do peito que perdeu o rumo, ou quem quer que mereça a sua generosidade.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone 041-224-2709 e fax 224-1156.