Artigo Nº 330 – SEGURO QUITA O GAVETEIRO

Os familiares do cessionário de imóvel financiado podem ser beneficiados com o seguro, em caso de seu falecimento, mesmo que só haja um contrato de gaveta, em fase de transferência junto ao agente financeiro.

Quem decidiu nesse sentido foi a Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão relatado pelo desembargador Ênio Zuliani, em apelação cível com revisão (n. 191.845-4/0-00) que se insurgira contra decisão do juiz de direito que determinara a transferência do imóvel aos herdeiros, livre de ônus, em razão do falecimento do comprador.

Como nota o relator, os papéis para a transferência já estavam em mãos do agente hipotecário, mas este ainda não dera seu aval para que a cessão fosse formalizada, porém estava recebendo as mensalidades do novo adquirente.

Vale destacar, no acórdão, trecho em que o julgador paulista coloca os agentes imobiliários como responsáveis pela proliferação dos contratos de gaveta: “Os juízes conhecem as dificuldades que sempre pontuaram os procedimentos dos órgãos autorizados a gerenciar recursos habitacionais […], o que confirma a escassez de consentimento expresso com cessões contratuais regulares, tanto que se popularizou o conhecido ‘contrato de gaveta’. Na maioria das vezes, o cessionário desiste de obter a autorização do credor hipotecário, desanimado com o excesso de exigências e pela insensatez de certas burocracias.”

Outro ponto que frisou foi a inércia dos financiadores em tomar providências visando sanar irregularidades. Os “órgãos encarregados de implementar a política habitacional estão cientes de que as casas populares são construídas e vendidas a preços subsidiados, com facilidades, para que  pessoas de baixa renda tenham acesso à moradia digna. Por isso, devem agir rápido quando descobrem que o mutuário não utiliza a unidade para moradia, o que os obriga a pleitear a rescisão do contrato por desvio de finalidade”. Conclui adiante: “…essa postura, de total complacência com a cessão somente se alterou no momento em que o óbito [do mutuário] criou conseqüências contratuais em virtude do seguro”.

No entender do desembargador Ênio Zuliani, o agente financeiro não pode agir a seu bel prazer, ou seja, deve manter comportamento coerente que não sofra perturbações em prejuízo de terceiro (nemo potest venire contra factum proprium, na expressão latina). “Não devemos admitir que [o agente] mantenha posições dúbias diante de um assunto de tal magnitude”, fulmina o magistrado. Vale dizer, se aceita o adquirente como cessionário, recebendo dele as prestações, enquanto tudo corre bem, não pode alegar que não o reconhece ao falecer, para evitar a quitação do financiamento pelo seguro habitacional.

Do acórdão, que teve a aprovação também dos desembargadores Maia da Cunha e Teixeira Leite, tirou-se a seguinte ementa: “Contrato de financiamento hipotecário – Morte do cessionário e conseqüente discussão sobre a quitação derivada do seguro habitacional – Recusa do CDHU em liberar o ônus que depõe contra os princípios da boa-fé, por ter, anteriormente, se comportado de forma a estimular, no cessionário, confiança de que a cessão se concretizara – Incidência do princípio nemo potest venire contra factum proprium como regra jurídica de consolidação da cessão e, conseqüente, do direito à indenização securitária, o que gera a consolidação do domínio em favor da viúva e filhos do mutuário – Não provimento.”

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-27809 e e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.