O proprietário de um único imóvel pode renunciar validamente ao direito à impenhorabilidade, em circunstâncias excepcionais, pois o bem de família não é absoluto.
Decisão nesse sentido foi proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial n. 554.622-RS), relatada pelo ministro Ari Pargendler.
O relatório ministerial indica que, em ação de execução fundada em título extrajudicial, os executados requereram a nulidade da penhora ao argumento de que ´o bem constrito é absolutamente impenhorável por força do disposto na Lei 8.009/90´, tese que não foi acatada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em agravo, porque ´os agravantes são engenheiros civis, pessoas bem esclarecidas´, mantendo a renúncia ao benefício da impenhorabilidade fixada ´em escritura pública perante Tabelião´.
Em seu voto, o ministro Ari Pargendler lembra que “o espírito da lei da impenhorabilidade visa à proteção da entidade familiar, não apenas de um ou de outro membro deste núcleo”, e volta a citar o desembargador Guinther Spode do TJ/RS, para quem os executados são ´pessoas maiores, capazes e pertencentes a uma casta intelectual de pouco mais de 2% da população brasileira´ e que, por isso, ´longe estão de serem reputadas pessoas ingênuas, de poucas luzes e que se deixam ludibriar com facilidade”.
Além disso, o desembargador gaúcho acentua que ´o ato que imputam de nulo foi lavrado por escritura pública, perante Tabelião, cujo qual portou por fé o documento´, significando dizer que ´não foi confeccionado em um escritório qualquer, suprimindo-se dos agravantes a transparência e liberdade volitiva contratual´.
A decisão do TJ/RS confirmada pelo STJ baseou-se na cláusula da escritura pública com o seguinte teor: “Presentes também a este ato […] engenheiro civil e […] engenheira civil […], os quais, neste instrumento constituem-se fiadores e principais pagadores com responsabilidade solidária [por] todas as obrigações assumidas pela outorgante devedora, obrigando-se, por si, seus herdeiros e sucessores, a qualquer título, com todos os seus bens e haveres a fazer a presente boa, firme e valiosa, por todo o tempo em que perdurarem as obrigações da outorgante devedora junto aos outorgados credores, renunciando, assim, expressamente, às faculdades previstas nos artigos 1.491, 1.550 e 1.503 do Código Civil Brasileiro e artigo 262 do Código Comercial Brasileiro, bem como o direito da impenhorabilidade garantido pela Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, eis que a fiança ora outorgada prevalecerá por todo o tempo em que subsistirem as obrigações afiançadas até sua total liquidação”. No original, as últimas 37 palavras, que tratam da renúncia, estavam em negrito.
Adaptando-se a cláusula ao teor do Código Civil de 2002, pode-se deduzir, com base no acórdão do STJ, que em situações especiais (fiador e fiadora com curso superior), com as devidas cautelas (escritura pública) e regras claras (destaques em negrito), é possível, sim, deixar de aplicar-se a Lei 8.009/90 a quem renuncia à garantia do bem de família.
Votaram com o relator os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho e Humberto Gomes de Barros. Recomendamos ler a integra da decisão, publicada na Revista Bonijuris n. 508 (Março/2006), também acessável via internet no saite do Superior Tribunal de Justiça.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.