Mais uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em favor dos adquirentes de imóveis com contrato de gaveta. Nesta, o STJ reconhece ao gaveteiro o direito de consignar o valor das prestações do financiamento, independente da transferência do financiamento. A ementa do acórdão está assim redigida (cerne):
“Mútuo Hipotecário. Pagamento por terceiro. Aquele que adquire o imóvel hipotecado é interessado, para os efeitos do artigo 930, caput, do Código Civil, no pagamento das prestações de resgate do mútuo, porque a respectiva falta implica a execução do gravame. Ao credor é defeso recusar o recebimento, porque o pagamento não tem o efeito de integrar o comprador do imóvel na relação de financiamento. Recurso especial não conhecido.”
Relatando o aresto (Resp. 154.457) da Terceira Turma, o ministro Ari Pargendler lembra que o autor adquiriu imóvel com hipoteca do Sistema Financeiro da Habitação, dando ciência ao banco credor, segundo o que dispõe a Lei dos Registros Públicos (art. 292). O banco respondeu ao adquirente e ao ex-proprietário, dizendo que a venda só poderia ser feita com a sua anuência ou a dívida total do contrato se venceria antecipadamente. O juiz de primeiro grau entendeu que a pretensão do mutuário é justa e nenhum prejuízo traz ao banco, que ‘continuará a receber as parcelas do financiamento, como se fossem os antigos proprietários que as estivessem depositando’.
Explica o ministro Pargendler que os contratos vinculados ao SFH são de natureza peculiar, em que prevalece o interesse público. Cita como exemplo que não é qualquer pessoa que pode se habilitar a esse tipo de financiamento. Deve residir no mesmo município e provar ter rendimentos suficientes para arcar com a prestação, preservando assim a política habitacional que visa favorecer os sem-teto e tutelar os recursos públicos disponíveis. “Quer dizer – pondera o relator – , à parte sua aparente impessoalidade, o Sistema Financeiro da Habitação sempre foi seletivo do ponto de vista econômico (sem o que não poderia subsistir) e do ponto de vista político (pelo menos em tese, os empréstimos são para os que deles precisam).”
Porém, ao longo do tempo, diz o magistrado, a equação econômico-financeira dos contratos ficou inadequada à conjuntura social do país, levando o governo à concessão de subsídios, renegociações, bônus e outros benefícios que resultaram numa distorção: “a de que o saldo devedor dos empréstimos se tornou muito maior do que o resgate previsto na forma contratual”. Diante disso, pergunta, como ficariam os mutuários que quisessem vender os imóveis financiados? O comprador teria que assumir a responsabilidade pelo pagamento do saldo devedor ou apenas a obrigação de pagar as prestações do empréstimo, reduzidas por sucessivas vantagens conferidas aos mutuários?
A resposta o ministro dá em seu voto, ao reconhecer a aplicabilidade do artigo 930 do Código Civil de 1916, permitindo ao adquirente consignar as prestações do contrato original, em nome e por conta do devedor, sendo lícito ao banco receber o respectivo montante, “sem prejuízo de promover a execução antecipada do mútuo hipotecário pelo total do saldo devedor à conta de alguma infração contratual, v.g. a que proíbe a venda do imóvel dado em garantia”.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.