A famosa (e danosa) “Lei de Gérson” – você leva vantagem em tudo, certo? – vem sendo cada vez menos aceita pelos tribunais brasileiros. Na interpretação de contratos e de litígios entre as partes, o julgador tem priorizado o bom-senso e a eqüidade, não dando margem à esperteza adquirida por uns em detrimento do parceiro de menor discernimento ou baixo poder de negociação.
Exemplo disso vemos no julgamento de contratos firmados por construtoras com bancos, com cláusula hipotecária, dando em garantia unidades vendidas a adquirentes que pagam o preço mas sofrem os efeitos de execução do banco contra a construtora, por falta de pagamento do crédito concedido.
Decisão da 12a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Apelação Cível n. 2001.001.17529), relatada pelo desembargador Ruyz Athayde Alcântara de Carvalho, ilustra bem a questão. Diz a ementa:
“Casos em que a construtora para efetivação de lançamentos imobiliários contrai financiamento dando como garantia hipotecária as unidades a serem construídas e vendidas a terceiros.
Hipótese em que os adquirentes efetuam a totalidade dos pagamentos contratados, sem que a construtora conclua os pagamentos à instituição financeira, que, assim, não libera as hipotecas e instaura processos de execução contra a devedora, mas penhorando as unidades dos adquirentes.
O comportamento incorreto da construtora não deve prejudicar o comprador cujo direito se reconhece de receber seu imóvel livre de hipoteca.”
Lê-se do acórdão que, ao julgar a questão em primeiro grau, o juiz admitiu que os compradores pagaram os preços de suas unidades, mas não reconheceu a quitação perante o credor hipotecário, determinando que a construtora efetive o pagamento do que deve ao banco, para depois ser liberada a hipoteca, o que, segundo os apelantes, poderia resultar inócuo, pois se forem esperar que a construtora pague ao banco estarão condenados ao prejuízo total, já que requerida a execução hipotecária pela instituição financeira, com penhora de seus apartamentos.
Em seu voto, o relator argumenta que “tal solução representaria um absurdo tão grande que a jurisprudência flexibilizou a interpretação nesses casos dos preceitos que regem a hipoteca” e cita aresto do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Cesar Asfor Rocha (Resp. 146.659-MG), com a seguinte dicção: “A hipoteca decorrente de financiamento concedido pelo banco à incorporadora e construtora para construção de edifício, não alcança as unidades que o ex-proprietário do terreno recebeu da construtora em troca ou como prévio pagamento deste.”
Como se vê do acórdão, cabe ao banco financiador “aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes”, conforme relato do ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior (Resp. 171.421-SP), não lhe sendo permitido “comodamente negligenciar na defesa dos seus interesses, sabendo que os negócios estão sendo negociados e pagos por terceiros”.
Em suma, o TJ/RJ declarou a “ineficácia das hipotecas sobre as unidades objeto da ação”, em benefício dos compradores. Participaram do julgamento os desembargadores Gamaliel Quinto de Souza e Wellington Jones Paiva.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.