Artigo Nº 257 – PROPRIETÁRIO SEM DENTES

Apesar da grande divulgação que recebeu, em termos de notícia nos jornais, o novo Código Civil (Lei 10.406/02), em vigor desde 11 de janeiro de 2003, ainda é um grande desconhecido do grande público. Muitos anos se passarão até que seus 2.046 artigos sejam interpretados e aplicados.

Como o que nos interessa são as disposições que afetam o mercado imobiliário, passaremos a fazer sistematicamente (com interrupção sempre que houver outro assunto mais premente) sua apresentação, com pequenos comentários. Assim, de gota em gota, o leitor vai conhecendo um pouco mais sobre tão importante lei.

Começamos hoje com o Título III do Livro III (Direito das Coisas), que trata da Propriedade. No Código de 1916, seu artigo 524 dizia que “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”.

Compare com o que diz a norma semelhante do novo ordenamento:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Usar, gozar e dispor deixou de ser um direito absoluto, passando a ser mera “faculdade” do proprietário. A diferença entre direito e faculdade é sutil, mas mostra a intenção de diminuir o poder do titular do domínio. Direito pleno, só o de reaver a coisa (não mais o bem) de quem quer que “injustamente a possua ou detenha”. O mero detentor da coisa, que a tem em mãos sem caráter de posse, também foi incluído como opositor do proprietário, como se vê.

O artigo 524 do Código velho só tinha um parágrafo, informando que a propriedade literária, científica e artística seria regulada conforme as disposições de outro capítulo daquele instrumento.

O novo diploma legal foi pródigo em fixar limitações à propriedade, impondo cinco parágrafos ao artigo 1.228. Por serem extensos demais, reproduzimos os primeiros três. O quarto e o quinto tratam na perda do imóvel por usucapião coletivo por interesse social e sua indenização, como já previsto no Estatuto da Cidade.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.
§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

Dá para sentir como o interesse coletivo recebeu proeminência sobre o individual. O Código sepulta definitivamente a figura do “senhor absoluto” sobre sua propriedade, o que já era uma tendência na doutrina e em leis esparsas há muitas décadas. Inteligente será o proprietário que absorver o espírito da lei, conscientizar-se de suas limitações como “dominus”, e agir de acordo. Evitará grandes dissabores.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 24-2709, fax (41) 224-1156, e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.