O locatário quer alugar um imóvel comercial dando como garantia o único imóvel residencial onde reside? Poderá alegar, no futuro, que a garantia é nula, porque sua casa é bem de família, de acordo com a Lei 8.009?
Para responder a esta questão solicitamos parecer do Telejuris Consultoria e Pesquisa, de Curitiba. A resposta, da lavra da advogada Juliana Martins de Campos Pioli, é a seguinte:
“A caução, bem como o penhor, a hipoteca e a anticrese, fazendo parte dos direitos reais de garantia, visam a pôr o credor a salvo da insolvência do devedor. Portanto, com a sua outorga, a coisa dada em garantia, tanto bem móvel como imóvel, fica sujeita, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.
Uma das características relevantes para o caso, é que os direitos reais de garantia constituem acessórios da obrigação, cujo cumprimento asseguram. Como acessórios, diz o mestre Lafayette, cingem a obrigação, vivem por ela e com ela sucumbem. Extinta a obrigação principal desaparece o direito real de garantia.
De acordo com a doutrina dominante, deve-se partir do princípio de que, quem pode dar garantia real, é todo aquele cidadão que pode alienar, dispor, vender o bem que é de sua propriedade. Por conseguinte, só o próprio dono da coisa pode onerá-la com garantia real. A outorga desta tem como pressuposto essencial a capacidade jurídica para alienar por parte do outorgante. De fato, não cumprida a obrigação, assegurada pela garantia real, executar-se-á a coisa vinculada ao cumprimento da obrigação, sujeitando-se a final ser vendida.
O que se pode concluir do exposto acima, é que se o bem dado em garantia se submete a essa contingência, claro que somente se deve questionar quem realmente poderá constituir direito real de garantia e não o fato do bem ser impenhorável pelos benefícios previsto na Lei 8.009. Portanto, possuindo o locatário capacidade jurídica para alienar o bem que lhe pertence, poderá dispor o bem que é de sua propriedade.
Ademais, ao se analisar os artigos e dispositivos presentes na Lei 8.009, a mesma trata apenas da impenhorabilidade obrigatória de alguns bens, como a casa de moradia e os móveis que a guarnecem, nos casos presentes no Processo de Execução, assegurando a dignidade do executado e de sua família, como objetivo superior. Nada justifica seja ela distorcida e deturpada. Tendo aplicação restrita, pena de se adulterar seu espírito, de se livrar do devedor de qualquer execução, de se implantar a insegurança nas relações jurídicas e de se destruir todo o direito obrigacional.
Não deve e não pode o referido diploma servir de instrumento para acobertar injustiças, favorecer maus pagadores e prejudicar credores que na atual sistemática possuem sérias dificuldades para receberem seus créditos. Por isto a interpretação não pode transbordar dos limites visados pelo legislador.
Conclui-se que se um bem em princípio é impenhorável, na prática pode ser penhorável. A nova lei implantou em nosso Direito a impenhorabilidade coativa, sem reduzir a disponibilidade do proprietário, sem nada alterar em relação a ele, inobstante ter dado maior amplitude ao instituto do bem de família. Embora dispense a vontade do institudor, não o despoja da livre disposição, por não impor a inalienabilidade da coisa.
Portanto, o locatário pode sim oferecer em garantia o único imóvel que mora, possui ele todo o direito de dispor aquilo que é seu, caso contrário fere até mesmo o direito de propriedade que este possui sobre a coisa. O que importa sempre, é o fato do proprietário possuir ou não capacidade jurídica para alienar o bem ou o fato do bem ser alienável. Não havendo nenhum impedimento, deverá a caução de bem imóvel, ser devidamente averbada à margem da respectiva matrícula do imóvel pelo caucionante, somente ao locador e não à administradora do imóvel, segundo a jurisprudência dominante.”
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone 041-224-2709 e fax 041-224-1156.