O encontro do direito imobiliário com o direito de família gera uma boa colheita de conflitos e tentativas de usurpar a lei.
Na ótima revista Jurisprudência Catarinense n. 80, órgão oficial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, encontramos dois julgados sobre o tema, que merecem ser noticiados, já que do interesse de todos.
No primeiro caso (pág. 106), discute-se sobre a doação inoficiosa de bens para os filhos. Em vida, o pai adquiriu um imóvel em nome de dois de seus rebentos, reservando para si os direitos de usufruto vitalício, mas deixando outros filhos de fora. Ao falecer, em seu inventário, entendeu o Ministério Público que a transferência da propriedade aos filhos menores impúberes importou em doação, haja não possuírem recursos financeiros para adquiri-lo, devendo, portanto, o imóvel ser trazido à colação.
Dispõe o artigo 1.132 do Código Civil que "os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam".
Citando vasta doutrina a respeito, o relator, desembargados Alcides Aguiar, lembra que é "nula e não simplesmente anulável" a venda de ascendente a descendente sem o expresso consentimento dos demais descendentes e que a aquisição direta do imóvel em nome dos filhos, mas com recursos do pai, constitui "simulação da compra e venda", maculando a partilha dos bens do falecido. Conseqüência: o tribunal decidiu que o imóvel deve ser partilhado entre todos os herdeiros, junto com os demais bens do inventário (colação).
Diz a ementa oficial: "Desde que a venda de bens aos filhos importe em doação inoficiosa, em detrimento dos demais herdeiros, deve a coisa doada ser trazida à colação".
No segundo caso (pág. 475), enfrenta-se o problema da venda de imóvel a descendente através de interposta pessoa. Em discussão o início do prazo de prescrição do direito de ação para anular o ato.
Após lembrar que "não é válido o ato jurídico realizado com violação do disposto no artigo 1.132 do Código Civil" o relator, desembargador Newton Trisotto, pondera que para definir-se o termo inicial de contagem do prazo para a propositura da ação de anulação "há de considerar-se a data em que o imóvel teve seu registro imobiliário, eis que o objetivo deste é emprestar validade erga omnes [contra todos] aos atos que lhe são levados a registro". Não prevalece, em outras palavras, a data em que os demais herdeiros tomaram conhecimento da venda fraudulenta. Se dormiram no ponto, perdem o direito de requerer a nulidade do ato que lhes foi prejudicial.
Lembrou também o eminente magistrado que "se o prejudicado é menor, flui o prazo prescricional do dia seguinte àquele em que completar dezesseis anos", conforme remansosa jurisprudência.
P.S. Em razão da diminuição do formato dos principais jornais do país, estamos também reduzindo o número de palavras da coluna Direito Imobiliário de 580-600 para 500-520, o que nos obrigará a sermos mais sucintos ainda. Mas nosso objetivo continua o mesmo: orientar e esclarecer o leitor comum (e não advogados e juristas) sobre questões jurídicas de interesse do mercado imobiliário.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709 e fax (41)224-1156.