Artigo Nº 14 – JURO POR FORA MATA O MERCADO

Os participantes do 7º Encontro da Habitação e do Mercado Imobiliário Paranaense, recentemente realizado em Curitiba, ficaram surpresos, quase chocados,  com notícia trazida por um dos palestristas. Falando para um auditório constituído basicamente de empresários da construção civil, contou que, nos Estados Unidos, ao adquirir um imóvel em construção, os compradores recebem juros de 8% ao ano sobre os pagamentos feitos a título de sinal de negócio antes da entrega das chaves.

Disse a autoridade que as construtoras pagam juros ao comprador, superiores à caderneta de poupança, calculados sobre o tempo em que utilizaram os recursos do adquirente, até que lhe entregam o imóvel em construção. O pagamento é feito em moeda corrente no ato do recebimento das chaves, data que serve como parâmetro para a fixação do preço efetivamente acordado entre as partes. A partir daí, o comprador passa a pagar juros sobre o financiamento hipotecário obtido, na base de 7,5% ao ano, se fixos, ou variáveis de 6 a 11%.

MÁ HERANÇA

Qual a razão do espanto dos participantes do 7º Encontro do Mercado Imobiliário? É que no Brasil existe ainda, como herança de tempos altamente inflacionários, a praxe de se cobrar juros do comprador sobre as prestações vincendas dos valores que adianta à construtora a título de poupança ou sinal de negócio. Tal prática equivale à hipótese, ainda não existente (mas não impossível) de se cobrar juros de quem economiza seu dinheiro e o coloca no banco em conta de poupança. Ao invés de receber juros, o poupador paga para que o banco lhe guarde e administre seu capital.

Antes que alguém chegue a conclusão precipitada, diga-se em favor das construtoras e incorporadores que tal procedimento (cobrança e não pagamento de juros de quem lhes empresta dinheiro) não é ilegal, não havendo nenhuma disposição legal que proíba tal prática, desde que prevista em contrato. O que se espera é que, com a redução da inflação a níveis decentes e o aumento da concorrência, como ficou patente no Encontro, as construtoras encontrem novas formas de fixar o valor do bem, calibrando-o de acordo com a data em que efetivamente o comprador se imite na posse do imóvel.

AUMENTO REAL

A cobrança de juros capitalizados sobre o valor das prestações, mesmo após a entrega das chaves, pode constituir uma armadilha para compradores mal avisados. Aparentemente, juros de 1% ao mês, são extremamente baixos. O problema é que tal juro, ao acumular-se no decorrer dos meses, gera um aumento do valor real da prestação, especialmente em contratos de longo prazo dos planos de autofinanciamento (60, 80, 100 meses), que torna inviável o pagamento das prestações por quem comprometeu parcela significativa de sua renda.

Por hipótese, se um comprador que ganha R$ l 000,00 por mês adquire um apartamento com prestações mensais de R$ 400,00, ao final de dois anos o valor de sua prestação não será de R$ 496,00, mas sim de R$ 507,89, em valores constantes, em razão da capitalização do juro. No final de 48 meses, a prestação aumentará para R$ 644,89 e no final de cinco anos para R$ 726,67 e não R$ 640,00 se os juros fossem simples.

ALERTA

Mesmo os juros simples, como se vê, podem inviabilizar a aquisição do imóvel. A questão não é se devem ser cobrados ou não. Depois de recebido o bem, nada mais justo que o comprador passe a pagar juros sobre o valor ainda não pago do preço, pois começa a ser financiado pela construtora. Mas, para que os juros não se tornem uma bomba de efeito retardado, convém que sejam diluídos em todas as prestações, com a adoção da tabela “price” ou outra forma de cálculo. Isso implica, naturalmente, aumento do valor da prestação inicial, diminuindo o número de adquirentes em potencial para o empreendimento.

Existe hoje, em todos os setores, um aumento do índice de inadimplência. A construção civil não foge à regra. Não sabemos, por falta de estatística e pesquisa, se muitos desses inadimplentes já foram vítima do aumento real de suas prestações, em relação ao salário. Mas temos certeza de que, se continuarmos com uma economia estável, crescerá a inadimplência motivada pela cobrança de juros em cima das prestações imobiliárias. Por isso, sinceramente esperamos que este nosso alerta seja bem recebido por quem trabalha no mercado imobiliário.

A oferta que seduz (prestação inicial baixa) pode ser o veneno que matará a galinha dos ovos de ouro (o mercado).

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD – Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB,  fone (041)224-2709 e fax (041)224-1156.