Em que casos a garagem situada num prédio em condomínio pode ser alienada livremente? A resposta a esta pergunta merece alguma consideração e uma análise cuidadosa, para evitar malentendidos.
Baseando-nos na lei e na jurisprudência dominantes, podemos hoje dizer que a venda de vagas de garagem obedece a regras não muito precisas. Vejamos se é possível sintetizá-las.
Nos edifícios-garagem, destinados única e exclusivamente à guarda de veículos, obviamente que não existe, nem poderá existir, qualquer tipo de restrição à transferência da propriedade, seja a um condômino interno seja a qualquer pessoa. Cada vaga constitui uma unidade autônoma, em princípio, e, se não constituir, será objeto de uma fração autônoma do prédio ou a um direito autônomo de uso. Nenhum adquirente da vaga será considerado uma “pessoa estranha ao condomínio”.
Nos edifícios não-residenciais, formados por salas ou conjuntos comerciais, a alienação da vaga de estacionamento dependerá da natureza jurídica da garagem.
Se a garagem for coletiva em área comum (indeterminada, com fração ideal única) ou garagem demarcada com fração comum (box definidos ou não, com fração ideal comum, sem matrícula própria), sua alienação só será possível se feita a outro condômino do edifício, pois o bem se constitui em acessório de unidade autônoma. Sua comercialização sofre, portanto, a restrição prevista na Lei do Condomínio (art. 2o., §§ 1o. e 2o.), pela qual “o direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados” (…) “poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio”.
Em suma, se a vaga ‘pertence’ a uma unidade autônoma, só poderá ser alienada ao proprietário de outra unidade autônoma do mesmo prédio, à qual passará a ‘pertencer’.
Porém, se a vaga não pertencer a nenhuma unidade, sendo autônoma, devidamente demarcada (localização específica), livre e independente, com acesso direto ou indireto para a via pública, fração ideal própria sobre o terreno e matrícula própria no registro imobiliário, nenhum impedimento haverá para sua livre alienação pelo proprietário, mesmo a “estranhos” ao condomínio (o estranho, tão logo se torne proprietário, deixará de ser estranho, passando a condômino como os demais).
Nos edifícios residenciais, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que, mesmo que a vaga de garagem constitua uma unidade autônoma, com todas as características acima apontadas, sua transferência a terceiros não é possível, pois a presença no prédio de alguém que não comunga dos mesmos interesses dos demais condôminos constitui um ponto de discórdia ou de desarmonia nas relações condominiais, o que deve ser evitado (já analisamos essa decisão do STJ em coluna anterior).
Em poucas palavras, nos edifícios-garagem a alienação é livre, nos edifícios residenciais é proibida e nos edifícios não-residenciais é permitida se a vaga constituir unidade autônoma.
A casuística da garagem nos condomínios brasileiros não está, evidentemente, confinada aos exemplos referidos. Cada situação precisa ser analisada com acuidade, de preferência com uma visita in loco no prédio. É preciso levar em consideração, também, o que diz a convenção do condomínio a respeito, com o cuidado de não tomá-la ao pé-da-letra no que contrariar a lei.