Artigo Nº 150 – COMPRAR AS CHAVES É RUIM

Não se trata de força de expressão, mas de reflexo de realidade. Cada vez mais ouve-se falar em "aquisição das chaves", e não em aquisição de imóvel, fato que coloca o Brasil ao lado dos países que ainda não atingiram um nível razoável de organização social.

Estamos referindo ao desencontro cada vez maior entre os que são proprietários de um imóvel e os que apenas são possuidores, por terem "comprado as chaves", ou seja, o direito de nele habitá-lo ou de usá-lo, sem que tal benefício venha acompanhado da respectiva escritura definitiva de transferência, devidamente registrada.

Voltamos ao assunto, porque lemos no Boletim da Construção, do Sinduscon-PR, que o governo já estuda modo de extinguir a taxa referencial de juros (TR) dos financiamentos imobiliários, indexador este apontado pelos entendidos como a maior causa dos elevadíssimos saldos devedores que impedem uma transferência eqüitativa do imóvel a terceiros, o que leva ao abandono da moradia ou à simples venda das chaves, "pelo que puder pagar".

A câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) propõe a substituição da TR por um outro índice que represente a inflação para quem ganha até 20 salários mínimos, público alvo dos programas habitacionais. Segundo o CBIC, de 1994, início do Plano Real, até dezembro de 1998, a TR teve uma valorização de 103%, enquanto outros índices de variação de preço ao consumidor sugiram em torno de 65%, próximo do índice da construção civil (CUB), com 63%. Conseqüência óbvia, o saldo devedor torna-se maior do que o valor comercial do imóvel, inviabilizando o acesso à casa própria a milhões de potenciais compradores.

Paralelamente a isso, ainda persistem sérios obstáculos jurídicos e econômicos à transferência de imóveis financiados, obrigando o adquirente a assumir um ônus que não está sendo suportado pelo alienante. Se este paga, por exemplo, uma prestação de R$ 300,00 ao mês pelo crédito, como exigir que o comprador seja a obrigado a pagar R$ 700,00 pelo mesmo negócio financeiro, tratando-se, como é o caso, de uma mera sub-rogação de direitos e deveres? Pode até haver normas legais acobertando tal assaque, mas certamente não há base moral para justificar tamanho oportunismo.

O povo, que não é bobo, enfrenta a esperteza do sistema inventando seu próprio modelo habitacional, o dos contratos de gaveta ou da aquisição das chaves. Hoje há milhões de brasileiros vivendo em imóveis que lhes pertencem, porém sem a dignidade de um título registrado. São donos de chaves, vivendo sob a ameaça constante de perderem seu teto por razões fora de seu controle. Tal como ciganos, não fincam raízes profundas, para mais fácil se aviarem de eventual mudança. São posseiros se si mesmos ou simples gaveteiros, sem ofensas.

Eliminar a TR, substituindo-a por índice que corrija a inflação, sem maiores ganhos para os agentes financeiros além de juros razoáveis, ao par de uma real facilidade para a transferência dos imóveis, são providências que merecem todo o empenho do Governo (com maiúscula) e de nossos representantes no Congresso. É, também, a jangada de esperança tão ansiosamente esperada pelo mercado imobiliário nos últimos cinco anos.

O novo milênio está aberto a novas ousadias. Que tal começar por aí?

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (*41)224-2709 e fax (*41)224-1156.