Certas discussões ultrapassam décadas, sem que se chegue a uma conclusão definitiva. A posse é um direito real ou pessoal? A fiança sem a outorga uxória é nula ou anulável? No mínimo duas correntes doutrinárias alinhavam os melhores argumentos para defender suas posições, afora os conciliadores de sempre que buscam harmonizar os dois campos criando uma terceira vertente.
Tão importante quanto conhecer o pensamento dos comentadores do direito é acompanhar a lógica de nossos juízes, especialmente dos tribunais maiores. Com isso, quem trabalha no mercado imobiliário (público alvo desta coluna) pode melhor trabalhar, evitando erros que resultam em prejuízo futuro.
O que pensa o Superior Tribunal de Justiça sobre a fiança? Recente decisão é bem indicativa. Diz a ementa:
"A fiança prestada sem a outorga uxória não tem eficácia sobre a meação do fiador, pois nula de pleno direito."
Relatado pelo ministro César Asfor Rocha, da Quarta Turma, o aresto (96/0068168-6) apreciou recurso especial do Rio Grande do Sul, decorrente de embargos de terceiro movido pela mulher do fiador, postulando a nulidade da fiança prestada por seu marido, sem seu consentimento, que foi julgado procedente em primeiro grau, mas reformado pelo Tribunal de Alçada gaúcho, que destilou seu veredicto com a seguinte ordem:
"A fiança prestada sem outorga uxória ou marital tem existência e validade, mas sua eficácia fica restrita aos bens e meação do fiador, mesmo havendo comunhão universal."
Inconformada, a mulher do fiador interpôs recurso especial ao STJ.
Em seu voto, o ministro Cesar Asfor Rocha apresentou os dois lados da controvérsia, mas deixou bem claro que aquela Corte vem se manifestando no mesmo sentido, tendo firmado o entendimento de que a fiança prestada sem a anuência do cônjuge é nula de pleno direito, não obrigando, por conseguinte, o patrimônio do casal.
Garrote
Mais do que isso, observa-se, atualmente, uma certa tendência do Judiciário no sentido de interpretar com maior rigor qualquer cláusula ou contrato de fiança, o que vem acarretando a perda de ações por parte dos proprietários-credores. Nota-se uma maior facilidade em se exonerar da fiança que se prorrogou por prazo indeterminado, maior receptividade na alegação de que o locador reajustou o aluguel além dos índices legais, maior proteção, em suma, ao patrimônio do fiador.
Tal favorecimento ao fiador quer nos parecer sutil reflexo da avassaladora tendência de amparo ao devedor e ao inadimplente, que se faz notada em todos os ramos do direito (especialmente após o advento do Código de Defesa do Consumidor) e em todos os níveis e categorias de foros judiciais. A possibilidade de se penhorar o único imóvel do fiador por dívida de fiança locatícia é, nesse contexto, uma exceção à regra, que ainda resiste arduamente.
No fundo, tudo se insere num teatro social danoso, que só gera estagnação e pobreza. Enquanto dezenas de milhares de famílias continuam morando com a sogra, há dezenas de milhares de imóveis à espera de pretendentes, seja por falta de condições financeiras, seja por ausência de meios de garantir a locação. E quanto mais se aperta o círculo no pescoço do locador, mais penalizado fica quem veste as sandálias de locatário.
Deu para entender, ou não ficou bem claro?
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (*41)224-2709 e fax (*41)224-1156.