A rescisão de contratos de compra e venda a prestação continua a desafiar e surpreender. Que valor aceitar como razoável para devolver ao comprador, em caso de extinção do contrato? Que percentagem do valor pago cobrirá o prejuízo do vendedor? Longe vão os tempos, antes do CDC, em que o adquirente perdia as prestações pagas.
Construtoras há que discriminam todas as suas despesas, diretas e indiretas, com a venda, fixando cláusula explicativa e valor variável para a rescisão, que cresce em termos absolutos, a medida que as prestações vão sendo pagas, mas decai em termos relativos (percentuais) no decorrer do tempo.
Esta, talvez, seja a melhor solução para evitar que o alienante mais ganancioso seja surpreendido por sentença judicial desfavorável.
Acórdão da 18a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relatado pelo desembargador Ilton Carlos Dellandréa (apelação cível n500.378.361), ilustra bem o que queremos dizer.
Diz a ementa do aresto:
"É leonina e abusiva a cláusula penal que estipula a perda de 40% das prestações pagas pelo promitente comprador de imóvel, mesmo que a rescisão se opere por inadimplência deste. A jurisprudência tem limitado o percentual a 10% sobre o valor das prestações pagas.
"É anulável mesmo a cláusula potestativa simples que submete a parte a condição futura de difícil implementação, como o atrelamento da devolução do preço à venda do bem objeto da compra e venda distratada, por excessivamente onerosa, além de projetar desequilíbrio do consumidor em face do contrato (artigo 51, § 1o, incisos II e III, do Código de Defesa do Consumidor).
O adquirente, ao apelar, sustentou que a pena convencional, como estabelecida no distrato, conduz a enriquecimento ilícito e que, pior ainda, a devolução dos 60% do preço recebido ocorreria apenas quando da venda do imóvel. A empresa argumentou que se tratam de cláusulas penais compensatórias e não moratórias, sendo uma prefixação das perdas e danos decorrentes do desfazimento do negócio. Os 40% serviriam para o ressarcimento dos prejuízos que sofreu com comissão de corretagem, pagamento de Cofins, imposto de renda etc.
Em seu voto, o relator Ilton Carlos Dellandfréa considerou razoável a retenção de somente 10% do valor das prestações pagas (cifra que, a nosso ver, mal cobre despesas de corretagem e publicidade da venda). No tocante à forma de devolução, que a fixava em 15 parcelas com início da primeira após a venda do lote a terceiros, o magistrado entendeu que o comprador "foi imprudente em assinar o pacto dessa forma", porém que "a situação não pode permanecer indefinidamente", impondo-se a revisão do pacto.
No seu dizer: "Não pode ser mantida cláusula que, mesmo não ilegal, submete a parte, senão ao capricho da outra, pelo menos a condições de difícil implementação, sujeitando-a à aflição de uma demora cujo termo final sequer vem acenado por aquela a quem a condição futura imporá a obrigação do pagamento."
Em suma, determinou que a devolução de 90% dos valores recebidos pela empresa loteadora sejam feitos em 15 parcelas mensais e consecutivas, contado o marco inicial do trânsito em julgado da decisão.
Para concluir (e pensar seriamente): Se a retenção por inadimplemento tivesse sido fixada em 20% e não em 40%, será que o tribunal gaúcho a teria reduzido a só 10%?
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709 e fax (41)24-1156.