Artigo Nº 163 – FACHADA, UM BEM PÚBLICO

Ensinam os manuais de Direito que os bens podem ser públicos ou privados, incluindo-se naqueles "os bens do domínio nacional pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios", sendo que "todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem" (Cód. Civil, art. 65).

Pela definição do Código Civil e da doutrina tradicional, uma edificação que não pertença a um ente estatal inclui-se na categoria dos bens particulares, o que sucede com todos os edifícios e casas construídos em terrenos pertencentes a pessoas comuns. Tal asserção é óbvia e nunca foi questionada. O que é particular não é do "governo" e pronto.

Após alguma reflexão sobre o assunto, chegamos, todavia, a uma conclusão que, em parte, vai contra a doutrina longamente assentada. A nosso ver, uma parte ao menos da propriedade comum não tem caráter absolutamente privatista, sendo simultaneamente objeto do patrimônio da pessoa ou pessoas que lhe detêm a posse ou o registro e do público em geral. Trata-se da fachada da edificação.

A fachada das edificações privadas podem fazer fronteira ou não com a via pública. No primeiro caso, temos as casas e edifícios construídos à moda antiga. Mais recentemente, nas últimas décadas, a preferência construtiva orientou-se para a criação de espaço entre o edifício e as lindes do terreno, o que propiciou a visibilidade de todas as faces da edificação, com fachadas nos quatro lados e na parte superior.

Porém, tanto de um modo como de outro, as edificações passaram, cada vez mais, a fazer parte da paisagem de nossas cidades, a integrar-lhes a personalidade, a delimitar-lhes a cultura e o modo de ser. Dentro desse amplo contexto, casas, sobrados, barracões, armazéns, pequenos prédios, grandes edifícios, arranha-céus são esculturas que pontuam nosso universo citadino, qual monolitos e estacas de nossa civilização.

A somatória das construções, com suas fachadas coloridas ou assemelhadas, forma um acervo maior do que suas partes, indicando a cada pessoa o lugar onde ela pode dizer com tranqüilidade: "Aqui eu me sinto em casa."

Além disso, embora o prédio continue a ser integralmente propriedade privada, dele todos nós usufruímos visualmente. Seu valor estético integra nosso reservatório emocional, nos acalenta e conforta quando de aspecto agradável, nos beneficia como vizinhos quando de elevado padrão, qualificando os espaços que utilizamos na convivência do dia-a-dia. O reverso, também, é verdadeiro. Um prédio sujo, malcuidado, abandonado ou pichado denigre toda a vizinhança, desvaloriza as demais edificações, projeta sua má áurea muito além de seu próprio espaço físico, agride o senso estético e cultural das pessoas que o vêem, deixando-nos com a sensação de que nosso bem-estar pessoal sofreu um bom desfalque.

Em suma, o bem pode ser particular, mas a sua aparência externa é de interesse público, constituindo um patrimônio coletivo que precisa ser preservado, defendido e protegido – com o apoio de toda a comunidade – contra atos de vandalismo e pichação.

PS. Com esta tese e estas idéias, estamos iniciando o planejamento de uma campanha de mobilização de toda a cidade, a ser lançada no primeiro semestre de 2001, visando repintar os muros e fachadas pichados de Curitiba, através de mutirões de vizinhança e outras iniciativas da comunidade.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709 e fax (41)224-1156.