Mistura de casamento, no regime de comunhão parcial de bens, com Sistema Financeiro da Habitação acaba de gerar interessante decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), envolvendo imóvel adquirido em nome do noivo, antes das núpcias, mas pago durante os anos em que o casal viveu junto.
Extrai-se da ementa (Resp 00108140/BA):
“Divórcio. Partilha de imóvel adquirido pelo varão antes do casamento pelo Sistema Financeiro da Habitação. Prestações concernentes ao financiamento solvidas com esforço comum do casal. Adequada solução encontrada pelo acórdão recorrido: a mulher fica com o direito à metade das prestações pagas na constância da união, mais as benfeitorias realizadas, (…) respeitado o direito de propriedade do varão.”
Relatando o recurso, o ministro Barros Monteiro, da Quarta Turma do STJ, lembra que, em primeiro grau de jurisdição, a juíza de direito da 8a Vara de Família de Salvador julgou procedente a ação de divórcio, deliberando, quando à partilha que o apartamento em causa seria partilhado em partes iguais, “após abatido o percentual correspondente às prestações pagas antes do casamento, percentual este que pertence ao réu”.
O Tribunal de Justiça da Bahia em princípio entendeu que se o bem, “apesar de adquirido antes do casamento, foi pago com a receita do casal porque financiado, há que ser incluído na partilha como bem comum ao casal, sob pena de enriquecimento ilícito por parte do cônjuge que adquiriu o imóvel”; porém, em embargos de declaração, reconheceu “o direito à meação dos valores pagos na constância da união, com o necessário acréscimo das benfeitorias nesse período realizadas, respeitado o direito de propriedade do cônjuge que o adquiriu antes do matrimônio”.
Desastre à vista
Em seu voto, o ministro relator evoca citações doutrinárias no sentido de que, na comunhão parcial de bens, “em regra não são tidos por adquiridos os bens que provieram ao casal em conseqüência de direito que a eles tinha um dos cônjuges antes do casamento” (Correa Telles).
O ministro Ruy Rosado de Aguiar, presidente da sessão, acompanhou o voto do relator, mas manifestou seu entendimento de que a decisão tomada pelo juiz singular, “integrando o bem ao patrimônio comum do casal, descontada a parte paga anteriormente, parece-me, teria melhor resolvido a causa; não o que depois ficou acrescido no julgamento dos embargos de declaração, em que se deu, na verdade, à mulher um direito ao crédito”.
Como se observa, caro leitor, é muito difícil fazer justiça. Quando a presente decisão for executada, seus efeitos práticos poderão ser desastrosos. Veja-se bem: o cônjuge que adquiriu o imóvel terá que indenizar ao outro a metade do valor de todas as prestações pagas durante anos, o que, em função das distorções de nosso sistema financeiro, poderá atingir a montante talvez superior ao do valor de mercado do próprio imóvel, além de assumir o engordado saldo devedor do empréstimo.
Se pensarmos que, durante a constância do casamento, ambos os cônjuges usufruíram o imóvel, pagando uma prestação normalmente pouco superior ao que se pagaria de aluguel, chegaremos à conclusão de que a sentença de primeiro grau e o entendimento do ministro Ruy Rosado de Aguiar talvez estejam mais próximos do almejado.
Ou haveria outra saída para tão tortuosa questão?
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709 e fax (41)224-1156.