Sinceramente estranhamos a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que incluiu as creches no rol de estabelecimentos protegidos pela Lei do Inquilinato, ao lado dos hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público e entidades religiosas devidamente registradas, contra quem não cabe ação de despejo por denúncia vazia.
A ação de despejo movida contra creche municipal de São Paulo foi julgada procedente, tendo o 2o Tribunal de Alçada Civil daquele Estado assim se pronunciado (a nosso ver, corretamente):
“As creches municipais, porque não ministram curso básico pré-alfabetizante, mas sim refeições e descanso a menores carentes, não podem ser enquadradas como estabelecimentos de ensino que merecem a proteção legal conferida pelos arts. 53 e 63, § 2o, da Lei do Inquilinato.”
Em recurso especial ao STJ, o município de São Paulo argumentou que o imóvel locado destina-se a abrigar uma creche para crianças carentes, razão pela qual, em atenção à natureza do estabelecimento, não pode se submeter a despejo por denúncia vazia.
A Sexta Turma do STJ acolheu a tese, por maioria, votando com o ministro relator Fernando Gonçalves no seguinte sentido (Resp 187812):
“Creche destinada ao amparo de crianças carentes de 0 a 6 anos de idade, porque trata-se de estabelecimento direcionado aos ditames constitucionais que impõem ao Estado o cumprimento do dever de efetivamente oportunizar educação para todos, enquadra-se perfeitamente no rol das entidades protegidas pelo art. 53 da Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), não se submetendo, pois, a despejo por denúncia vazia.”
O ministro relator lastreou seu voto em julgamento anterior, de sua lavra, no qual alega não haver dúvidas sobre a natureza educacional das creches, que, no caso, há autorização e fiscalização pelo Poder Público e que “se os estabelecimentos não forem amparados, as conseqüências cairão sobre as famílias.”
Ficou vencido o ministro Fontes de Alencar, que reafirmou: “Não há dúvida de que a criança tem que ser protegida pelo Estado, mas, no caso, não pode o Estado querer proteger a criança com o patrimônio do particular. A creche não é estabelecimento escolar.”
Nas locações de imóveis utilizados por entidades especiais (referidas acima), o contrato somente poderá ser rescindido em cinco hipóteses: mútuo acordo; infração legal ou contratual; falta de pagamento do aluguel e demais encargos; realização de reparações urgentes (art. 9o); ou se o proprietário pedir o imóvel para demolição, edificação licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinqüenta por cento da área útil (art. 53,II).
Além disso, tratando-se de estabelecimento de ensino autorizado e fiscalizado, na execução do despejo, “o juiz disporá de modo a que a desocupação coincida com o período de férias escolares” (art. 63, § 2o).
A interpretação dada pelo STJ, data vênia, não é convincente. Nem serve ao propósito de proteger a família. Assim que ficar conhecido seu pronunciamento, também as creches entrarão em outro rol, o de entidades abominadas pelos locadores, ao lado das escolas, hospitais, delegacias de polícia, repartições públicas etc., que, para conseguir locar um imóvel são obrigadas a pagar um aluguel de maior valor e submeter-se a outras exigências.
“E agora, José?”
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709 e fax (41)224-1156.