A ação de despejo é de natureza pessoal e imobiliária. A simplicidade da frase não deixa antever a importância das duas características mencionadas, que trazem conseqüências profundas e servem de ponto de referência na solução de inúmeros problemas relacionados com a locação de imóveis e, em especial, o despejo.
Da natureza pessoal da ação de despejo decorre, por exemplo, a desnecessidade de se citar a mulher do locatário ou de se apresentar prova de propriedade do imóvel (salvo quando a propriedade for fundamento da ação, como em alguns casos de retomada).
Da natureza imobiliária da ação de despejo resulta, por exemplo, a competência para propositura da ação.
A ação de despejo é de natureza pessoal porque o contrato de locação é de natureza pessoal. Ao ceder o uso e gozo de um determinado bem, móvel ou imóvel, o locador o faz a uma determinada pessoa, sem transferir-lhe qualquer direito real.
O locatário não se torna senhor do imóvel; seu direito opõe-se apenas à pessoa do locador, que se obriga a garantir-lhe a permanência no imóvel, e não contra todos (“erga omnes”); sua posse no imóvel é eminentemente transitória, extinguindo-se nos casos previstos em lei e no contrato. Além disso, se o contrato de locação fosse de natureza real, o locatário seria beneficiado pela prescrição aquisitiva (usucapião), o que não ocorre.
A prova mis cabal de que a locação é um direito meramente pessoal – uma relação jurídica entre locador e locatário – está em que o adquirente de um imóvel não é obrigado a respeitar a locação, podendo denunciá-la, porque nenhum vínculo existe entre ele e o locatário (salvo se o contrato estiver devidamente averbado no registro de imóveis).
Mas, nem mesmo o registro do contrato de locação na circunscrição imobiliária competente dá ao locatário um direito real sobre a coisa alheia. A averbação do contrato assegura-lhe a continuidade da locação por prazo determinado no caso de alienação do imóvel (Lei 8.245/91, art. 8o) e garante-lhe o direito de adjudicação do imóvel, em qualquer época, no caso de descumprimento do direito de preferência (art. 33), porém é insuficiente para modificar o caráter pessoal da relação jurídica locatícia.
Direito real, no caso, é a preferência do locatário à aquisição do imóvel, desde que o contrato esteja registrado. Este direito é exercido não só contra o locador, mas também contra qualquer pessoa que tenha adquirido o imóvel (“erga omnes”).
Tenha-se sempre em vista, portanto, que a ação de despejo decorre de um vínculo obrigacional, pessoal, entre locador e locatário. Não esquecer disso é muito importante.
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Para anotar. Diz o art. 33 da Lei do Inquilinato, acima citado: “O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no Cartório de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel..”
Sobre este tema voltaremos a comentar, em uma próxima coluna.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do condomínio IOB, fone (41)224-2709 e fax (41)224-1156.