Artigo Nº 181 – RETOMADA DE CASA POPULAR 1

Imobiliárias, construtoras e escolas estão passando por situações kafkianas, que lhes provocam justa indignação. Por terem cobrado multas de 10% de seus clientes sobre prestações em atraso, quando pela legislação atual o valor máximo da multa, em determinadas circunstâncias, foi reduzido a 2% (dois por cento), são obrigadas a pagar multas de 100% (cem por cento!!) sobre o valor que receberam a mais, ainda que discutível, a fim de não se submeterem a processo ou para aplacarem a ira dos novos inquisidores.

Esclarecendo melhor a questão, ocorre o seguinte. Sob a alegação de que a imobiliária cobrou multa indevida ou juros acima dos previstos, alguns órgãos de defesa dos consumidores estão forçando os reclamados a devolver em dobro o que receberam acima do permitido, segundo critérios e pré-julgamento dos próprios órgãos, invocando para tanto o disposto no art. 1531 do Código Civil.
Devolução em dobro, qualquer que seja o cálculo matemático que se faça, representa uma sanção de 100 por cento, que  não é denominada de multa, mas, para quem recebe a ameaça, tem natureza idêntica, pouco importando o nome que se lhe dê.

Vejamos o que diz o Código Civil:
“Art. 1.531. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação”.

O Código de Defesa do Consumidor reforça a pena estabelecendo que “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável” (Lei 8.078, art. 41, parág. único).

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá direito às sanções do art. 1.531 do Código Civil” (Súmula 159).

Se a empresa agiu com boa ou má-fé, se a multa que cobrou é efetivamente indevida, se os juros cobrados são realmente maiores do que os devidos, se aplicável em uma ou outra hipótese a punição do art. 1.531, é difícil dizer. O que as empresas têm dificuldade de compreender é que decisões de tal importância fiquem nas mãos de pessoas leigas, que não raro se julgam superiores e se comportam como únicas possuidoras da verdade, impondo soluções que ferem o senso de justiça e de eqüidade. Não entendem, os representantes das imobiliárias, construtoras e escolas, que por terem cobrado discutível multa de 10% sejam obrigados a pagar multa de 100% (cem por cento) sobre valores que receberam além da inexpressiva multa de 2% (dois por cento) prevista na atual lei. Não as consola ouvir dizer que o art. 1.531 do Código Civil não foi revogado e que se trata de circunstâncias nem que poderão recorrer ao Judiciário, caminho que lhes parece longo e onerosos.

EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO

Diz o Código de Defesa do Consumidor que “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça” (Lei 8.078/90, art. 41). Nobre e avançada a intenção do legislador. Assim dispondo, acabou com as listas de “devedores relapsos” que eram divulgadas em ambientes de circulação de pessoas e até pela imprensa, em editais.

O que as empresas que sofrem reclamações de consumidores também não entendem é que o CDC manda que “os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-los pública e anualmente” (art. 44), com a indicação de que a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor. Ou seja, as empresas são legalmente submetidas ao constrangimento de verem seus nomes publicados em jornais de grande circulação e no Diário Oficial como contraventoras (o que não corresponde necessariamente à verdade, por que fazem maus acordos por se sentirem ameaçadas pelos defensores do CDC, sem que estejam intimamente reconhecendo a procedência das reclamações), e submetidas a ridículo, o que constitui outra situação digna de Kafka e que merece ser revista pelas verdadeiras autoridades deste País.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)24-2709 e fax (41)224-1156.