Artigo Nº 182 – COMORIÊNCIA AFETA HERANÇA

Acidentes de veículos, com mortes de dois ou mais membros de uma mesma família, podem produzir diferentes reflexos no direito sucessório, dependendo do exato momento em que cada pessoa faleceu. Se houver comoriência, isto é, “a morte de duas ou mais pessoas na mesma ocasião e por força do mesmo evento, sendo elas reciprocamente herdeiras uma das outras” (Washington de Barros Monteiro), não haverá transferência de direitos entre os acidentados, sendo chamados à sucessão os seus herdeiros (Cód. Civil, art. 11).

Porém, se houver premoriência, ou seja, a morte de um antes do falecimento de outro, mesmo que por pouco tempo, coisa de minutos, haverá sucessão hereditária na forma da lei, com todas as suas conseqüências. Como explica Orlando Gomes, no Brasil aplica-se o critério da presunção de morte simultânea e não, como em outros países, o da presunção de sobrevivência, baseada na idade e no sexo dos comorientes.

Cinco minutos

Interessante questão sobre comoriência foi julgada, este ano, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (agravo de instrumento n. 144.514-4/1), no qual a Terceira Câmara de Direito Privado, por votação majoritária, ditou a seguinte ementa:
“Comoriência – Falecendo os pais e o filho em um mesmo desastre, e havendo o atestado de óbito do filho declarado que este falecera cinco minutos após seus pais, a herança daqueles cabe a este – Prevalência do documento médico que atestou o momento do óbito do filho como posterior ao dos pais – Comoriência, tão-só, quanto a estes – Desconstituição do atestado de óbito por ação própria, se for o caso – Recurso provido.”

Como explica o relator, des. Alfredo Migliore, em autos de inventário, o magistrado de primeiro grau reconheceu a comoriência dos inventariados, em prejuízo dos avós paternos. Acontece que, pelas certidões oficiais, a morte dos pais foi simultânea, enquanto a do filho ocorreu minutos após. Assim sendo, não poderia ser admitida a comoriência de quem sobreviveu, mesmo que por só cinco minutos, aos genitores, tendo plena validade, como prova, as certidões de óbito emitidas pelo médico.

Conclusão, o filho foi reconhecido como legítimo herdeiro dos pais pré-falecidos, extraindo-se dessa afirmação os direitos relativos aos herdeiros.
   
Voto vencido
 
Em declaração de voto vencido, o des. Flávio Pinheiro não concorda com a decisão da Terceira Câmara de Direito Privado do TJ/SP, por entender que, no caso, a causa das mortes foi ‘politraumatismo e hemorragia intracraniana’, e que, em Medicina Legal, “esses poucos minutos de diferença sugerem óbitos simultâneos que é, exatamente, a figura do artigo 11 do Código Civil, ou seja, a morte de duas ou mais pessoas na mesma ocasião e em razão do mesmo acontecimento”.
Para afastar os efeitos da não-comoriência, os avós paternos (prejudicados com a decisão) deverão provar, em ação própria, que os atestados médicos não condizem com a verdade e que, de fato, ocorreu a morte simultânea dos pais e do filho menor.

Infere-se do caso como é importante e de grande responsabilidade, do ponto de vista jurídico, o trabalho dos socorristas. Se não registrarem fielmente a hora exata do falecimento de cada ocupante do veículo acidentado, poderão ensejar grandes demandas no foro, envolvendo o futuro patrimonial de presumíveis herdeiros.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709 e fax (41) 224-1156.