Artigo Nº 196 – DESPEJO NÃO É AÇÃO REAL

A ação de despejo é de natureza pessoal e imobiliária.

A simplicidade da frase não deixa antever a importância das duas características mencionadas, que trazem conseqüências profundas e servem de ponto de referência na solução de inúmeros problemas relacionados com a locação de imóveis e, em especial, o despejo.

Da natureza pessoal da ação de despejo decorre, por exemplo, a desnecessidade de se citar a mulher do locatário ou de se apresentar prova de propriedade do imóvel (salvo quando a propriedade for fundamento da ação, como em alguns casos de retomada).

Da natureza imobiliária da ação de despejo resulta, por exemplo, a competência para a propositura da ação de despejo (Lei 8.245/91, art. 58, II).

A ação de despejo é de natureza pessoal porque o contrato de locação é de natureza pessoal. Ao ceder o uso e gozo de um determinado bem, móvel ou imóvel, o locador o faz a uma determinada pessoa, sem transferir-lhe nenhum direito real.

O locatário não se torna senhor do imóvel; seu direito opõe-se apenas à pessoa do locador, que se obriga a garantir-lhe a permanência no imóvel, e não contra todos (erga omnes); sua posse no imóvel é eminentemente transitória, extinguindo-se nos casos previstos em lei e no contrato. Além disso, se o contrato de locação fosse de natureza real, o locatário seria beneficiado pela prescrição aquisitiva (usucapião), o que não ocorre.

A prova mais cabal de que a locação é um direito meramente pessoal – uma relação jurídica entre locador e locatário – está em que o adquirente de um imóvel não é obrigado a respeitar a locação, podendo denunciá-la (Lei 8.245/91, art. 8o.), porque nenhum vínculo existe entre ele e o locatário (salvo se o contrato estiver devidamente averbado no registro de imóveis).

Mas, nem mesmo o registro do contrato de locação na circunscrição imobiliária competente dá ao locatário um direito real sobre a coisa alheia. O registro pode assegurar-lhe a continuidade da locação em caso de alienação do imóvel (Lei 8245/91, art. 8o.) ou de garantir-lhe o direito de adjudicação no caso de descumprimento do direito de preferência (Lei 8245/91, art. 33), porém é insuficiente para modificar o caráter pessoal da relação jurídica locatícia.

Direito real, no caso, é a preferência do locatário à aquisição do imóvel, desde que o contrato esteja registrado. Este direito é exercido não só contra o locador, mas também contra qualquer pessoa que tenha adquirido o imóvel (erga omnes),.
Tenha-se sempre em vista, portanto, que a ação de despejo decorre de um vínculo obrigacional, pessoal, entre locador e locatário.
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Esta manhã, ao dirigir-me para o escritório, ouvi a notícia sobre a morte de um pai de família, trabalhador, inquilino de seu vizinho, ao qual devia aproximadamente seis meses de aluguel. Agredido com uma ripa de madeira, o locatário recebeu um golpe na cabeça, aparentemente sem maiores conseqüências (nem foi levado ao hospital), mas veio a falecer enquanto dormia, durante a madrugada.

Está certo que o vínculo locador-locatário é pessoal, do ponto de vista legal. Mas não deveria chegar a ponto de as partes esquecerem que ainda existe lei e Justiça no Brasil.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156 e e-mail lfqueirozadv@softone.com.br