Desde agosto de 1962, mês em que entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62), o viúvo ou a viúva têm direito real de habitação sobre o imóvel onde vivia com seu cônjuge. A partir de novembro de 2000 também os filhos deficientes gozam do mesmo direito. Acompanhe a evolução legislativa e veja algumas conseqüências daí derivadas.
Ao tratar da sucessão legítima, no capítulo sobre a ordem da vocação hereditária, o Código Civil estabelece a seguinte hierarquia: descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente, colaterais e Estado (municípios, Distrito Federal ou União), dispondo que:
“Art. 1.611. À falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.”
O segundo parágrafo desse artigo, com a redação dada pela Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962, por sua vez, está assim redigido:
“§ 2o. Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.”
Observe que são muitos os requisitos legais para o surgimento deste direito real, a ver: a) que haja um cônjuge sobrevivente (se os dois falecem simultaneamente, os herdeiros comuns não terão o privilégio); b) que o regime de casamento seja o da comunhão de bens; c) que o imóvel seja destinado à moradia (bem de família); d) que seja o único bem residencial a inventariar. Além disso, o direito real de habitação carece de registro na circunscrição imobiliária própria, “porque deriva de direito sucessório, e não do direito de família” (Theotonio Negrão, nota ao art. 1.611 do CC), e perde sua validade caso o viúvo morra ou volte a casar.
O direito real de habitação foi ampliado, em novembro de 2000, pela Lei 10.050, que acrescentou mais um parágrafo ao art. 1.611 do Código Civil, com o seguinte texto:
“§ 3o. Na falta do pai ou da mãe, estende-se o benefício previsto no § 2o ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho.”
Portanto, todas as crianças excepcionais (de qualquer idade), todos os paraplégicos e tetraplégicos, todos cegos e deficientes visuais em grau elevado, todos os insanos e débeis de mente, todos os esquizofrênicos e depressivos em estágio crônico e outros deficientes que não possam tomar conta de si próprios nem trabalhar, estão protegidos pela lei.
Haverá, como sempre, aqueles que se localizam no limite da definição legal, caso em que seu enquadramento dependerá de decisão judicial que analise e defina o mérito da questão.
Para não perder o direito em comento, o beneficiário terá que residir pessoalmente no imóvel gravado em seu favor, não podendo emprestá-lo ou alugá-lo, mas simplesmente ocupá-lo com sua família (Cód. Civil, art. 746). Se o título for concedido a mais de uma pessoa (três filhos portadores de deficiência, por exemplo), qualquer deles que habite sozinho o imóvel não terá de pagar aluguel aos outros, mas não pode impedir que eles também ocupem a residência, se quiserem (Cód. Civil, art. 747).
Enfatize-se, por derradeiro, que o direito real de habitação concedido ao filho portador de deficiência lhe ampara materialmente “sem prejuízo da parte que lhe caiba na herança”.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156 e e-mail lfqueirozadv@softone.com.br