Artigo Nº 203 – CLÁUSULA VIRA ARMADILHA

Problema de difícil resposta nos foi formulado. Colocamos o caso em discussão, esperando receber opiniões a respeito. Resumimos:

“Primeiro é importante ressaltar que o índice de inadimplência do condomínio chega a um patamar de 48%, que vem se mantendo já há alguns anos. Alguns dos inadimplentes não pagam por problemas de ordem pessoal com ex-síndicos, outros porque também estão deixando de pagar as prestações junto ao agente financeiro. Para se ter uma idéia da gravidade, nos meses de junho a agosto tivemos que estabelecer horários para uso do gás, vez que o condomínio não tinha dinheiro para pagar o reabastecimento.” 

Prossegue:


“Em agosto, decidimos por alterar a convenção do condomínio, o que foi feito através de assembléia específica. Na convenção há cláusula estabelecendo que os inadimplentes não têm direito a voto. Cumprindo todos os trâmites, conseguimos aprovação daqueles adimplentes com direito a voto (o que deu mais que os 2/3 exigidos pela lei e pela convenção). No entanto, a alteração não passou no registro de imóveis ao argumento de que as assinaturas não representavam, no mínimo, 2/3 das frações ideais que compõem o condomínio.”

Continua:

“Realmente, concordamos que a aprovação não se deu com os 2/3 de todos os condôminos. Mas nem teria como ser diferente. Afinal, se condômino inadimplente não vota, não conseguiríamos nunca atingir tal fração. Assim, a interpretação que temos, e a que pretendo levar à Vara de Registros Públicos é que em havendo uma cláusula que não permita a votação dos inadimplentes, não há como considerá-los na assembléia, sob pena de nunca se conseguir alterar a atual convenção.”

Na hipótese cabe bem o dito popular “se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”. Em tese, a lei exige que “salvo estipulação diversa da Convenção, esta só poderá ser modificada em assembléia geral extraordinária, pelo voto mínimo de condôminos que representem 2/3 do total das frações ideais” (Lei do Condomínio, art. 25, parág. único). Porém, como alterá-la, se quase a metade dos proprietários se encontra inadimplente com o condomínio? Nem que todos os condôminos pontuais votassem unânimes seria possível atingir o objetivo.

Deixar que o prédio entre em insolvência, como parece ser iminente, fere o bom senso e os princípios racionais do Direito. Alguma coisa precisa ser feita. Desconsiderar a cláusula da convenção que proíbe os inadimplentes de participar e votar nas assembléias, correndo o risco de uma anulação ou de uma votação contrária aos interesses da maioria? Ou descontar os inadimplentes do cômputo do total de frações, de modo que somente a soma das frações de adimplentes seja considerada na aferição do quórum exigido, como o fez o condomínio em questão?

Lembra o TeleCondo, em miniparecer sobre esta mesma pergunta, que a Lei 4.591/64, ao tratar da aprovação da convenção (art. 9), diz que esta se considera aprovada a que “reúna as assinaturas de titulares de direitos que representem, no mínimo, 2/3 das frações ideais que compõem o condomínio”, entendendo, pois, que se a convenção institui restrições a determinados proprietários, estes não seriam tidos como “titulares de direitos”. Assim, a limitação do direito de voto dos inadimplentes, por ser legítima e livre estipulação da coletividade, não pode ser ofensiva à lei nem servir como argumento para se negar o registro da cártula condominial.

O novo Código Civil, a vigorar no próximo mês, ao tratar das penalidades impostas aos condôminos, em pelo menos dois artigos (1.336 e 1.337) fixa o quórum com base nos “condôminos restantes”, excluindo os infratores do cálculo. Aplicando-se, por analogia, este princípio, pode-se perfeitamente sustentar que os inadimplentes não devem ser incluídos na conta de deliberação do condomínio, o que permitiria o registro de alterações da convenção pelo quórum ‘líquido’ de 2/3 dos condôminos, como pretende o suscitante.

Aguardamos sua opinião, leitor.