No primeiro artigo desta série, mostramos que o Estatuto da Cidade regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, os quais transcrevemos. Hoje abordaremos o artigo 1o e parte do art. 2o da Lei 10.157, de 10 de julho de 2001, o qual diz na íntegra:
“Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.”
Compare-se o parágrafo único com o caput do art. 182 da Constituição Federal, que estabelece:
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”
Observe-se que, na Constituição Federal, em vigor desde 1988, o legislador visa “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade” e a “garantir o bem-estar de seus habitantes”, enquanto no Estatuto da Cidade, 13 anos mais jovem, dois novos anseios foram adicionados, quais sejam “a segurança dos cidadãos” e o “equilíbrio ambiental”. Sinal dos tempos.
Ressalte-se, ainda, que as normas do Estatuto da Cidade são de “ordem pública e interesse social”, o que necessariamente obriga o intérprete a dar-lhes prevalência sobre quaisquer pactos ou contratos firmados na esfera individual. Mesmo quando duas leis de igual hierarquia estiverem em conflito, a de ordem pública certamente merecerá maior consideração por parte do Judiciário, o que nos leva a recomendar que, sem dúvida, o Estatuto da Cidade seja levado a sério, como o foi o Código de Defesa do Consumidor.
Neste diapasão, salta à vista que o Estatuto da Cidade é pródigo em expressões denotadoras de avanço, valendo destacar algumas: interesse social, bem coletivo, segurança, bem-estar dos cidadãos, equilíbrio ambiental, funções sociais, bem coletivo, cidades sustentáveis, gestão democrática, participação popular, equipamentos urbanos e comunitários, serviços públicos, necessidades da população, justa distribuição dos benefícios, proteção do meio ambiente, referendo popular e plebiscito, sociedade civil e assim por diante. Tudo pelo social.
O artigo 2o do Estatuto da Cidade elenca enorme rol de diretrizes gerais, com 16 incisos, cada um deles indicando uma intenção do legislador no sentido de aumentar a qualidade de vida de quem reside nas cidades brasileiras. Suspiram os dois primeiros:
“Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;”
O espaço acabou. Continua na próxima semana.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709, fax (41)224-1156 e e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.