Artigo Nº 223 – UM CONSÓRCIO SUI GENERIS

Em suas disposições gerais (Capítulo V), o Estatuto da Cidade trata do consórcio imobiliário, de tributação diferenciada, de escrituras sociais, de prazos para o cumprimento da lei e da improbidade administrativa do prefeito. Pela ordem, vejamos o que couber no espaço que dispomos.

Muito interessante a possibilidade de o proprietário sujeito ao parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de seu imóvel estabelecer consórcio imobiliário com o município, recebendo área construída em troca de terreno, à semelhança do que ocorre com freqüência no mercado imobiliário entre proprietários e construtoras.

Diz a Lei 10.257/01:
“Art. 46. O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de área atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5o desta Lei, a requerimento deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel.

§ 1o Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.

§ 2o O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o disposto no § 2o do art. 8o desta Lei.”

O § 2o do art. 8o estabelece o valor real da indenização, que deverá refletir o valor da base de cálculo do IPTU, sem incluir as expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.

O consórcio imobiliário criado pelo Estatuto não tem nada a ver com os consórcios de imóveis lançados há anos por empresas especializadas e entidades de classe. Não se trata de arrecadar economias populares através do pagamento de mensalidades, com sorteio de cartas de crédito. São consortes, segundo a Lei 10.257/01 unicamente o proprietário, ou proprietários, do imóvel e o próprio poder público municipal.

Colocado ante a perspectiva de realizar empreendimento de vulto em seu terreno para dar-lhe a utilização determinada (art. 5o), sob pena de ver o IPTU do imóvel aumentar de 1% para 15% ao ano (art. 7o) e depois sofrer desapropriação com pagamento de títulos de duvidosa liquidação (art. 8o), o proprietário terá como tábua de salvação apelar ao poder público para que este realize as obras aprovadas pela lei municipal recebendo área construída ao invés de títulos. Mas em valor não superior ao que receberia em caso de desapropriação. Na prática, a teoria é outra. Sempre haverá a negociação e os acertos necessários à viabilização do negócio e, também, os lamentáveis desvios.

No artigo seguinte, o 47, o Estatuto da Cidade lança, singelamente, regra que fixa condições não-isonômicas no tratamento da tributação municipal. A ver se tal ordenança não fere princípios maiores sustentados pela Constituição.

Nas palavras do legislador:

“Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.”

O interesse social segura a mão do coletor de impostos. Embora tal norma esteja logo depois da que estabelece o consórcio imobiliário, não se aplica unicamente a tais empreendimentos. O que tiver que ser feito deverá ser objeto de lei municipal, além de constar do plano diretor da cidade.

Continua na próxima semana.