Ainda é muito grande o número de pessoas que acreditam em contratos. Pensam que tudo o que as partes pactuam tem validade. Por isso, sofrem e ficam frustradas quando certas cláusulas são declaradas nulas, anuláveis, inválidas, inócuas ou inaplicáveis pela Justiça. No Brasil de hoje, já não mais se admite a força obrigatória dos contratos.
Decisão do Superior Tribunal de Justiça bem mostra a relatividade do pactuado pelas partes. Promitente compradora de imóvel decidiu rescindir o compromisso com a construtora, quando já havia pago 44 parcelas de 65. No distrato ficou determinado que a empresa devolveria o valor das prestações pagas, silenciando contudo quanto à incidência de correção monetária e juros.
Após ter recebido algumas parcelas de devolução, a compradora desistente moveu ação ordinária pedindo o pagamento de correção monetária e juros. A construtora contestou alegando que o não pagamento teria a função de compensar as perdas havidas com os custos administrativos e o deságio pela fruição do imóvel.
Julgada parcialmente a ação, houve apelação. O acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que confirmou o pagamento de correção monetária, mas não de juros, recebeu recurso especial (n. 331.346-MG ou 2001/081689-7), relatado pela ministra Nancy Andrighi. O núcleo da ementa tem a seguinte dicção:
“É inaceitável transação que contrarie os princípios básicos do direito e as disposições legais vigentes.
Não se admite como válido o distrato de promessa de compra e venda segundo o qual o promissário comprador recebe a devolução das parcelas pagas sem correção monetária.
A correção monetária é um mero fator de atualização do valor aquisitivo da moeda. Não confere um plus ao valor da dívida, razão pela qual, não pode fazer às [sic] vezes da multa compensatória, não estipulada.”
Do voto da ministra colhem-se alguns argumentos.
“Com o advento do CDC, a tendência atual é de se relativizar a intangibilidade do contrato, permitindo-se a interferência estatal em certas circunstâncias especiais para conter a celebração de contratos que prejudiquem o consumidor, proporcionando, assim, o restabelecimento da eqüidade contratual com a correção de eventuais avencas que impliquem enriquecimento indevido para uma das partes.”
Enfatiza adiante que “não se admite que no silêncio do distrato se tenha como certo e acordado de forma imutável a renúncia por parte de um dos pactuantes à devolução das parcelas pagas sem incidência de correção monetária”.
Lembra ainda que o STJ “pacificamente sedimentou o entendimento de que o recibo que confere quitação geral não traduz renúncia à correção monetária”.
Também participaram da decisão da Terceira Turma do STJ os ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito, que votaram com a relatora.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça, extremamente onerosa à construtora, que nada recebeu de ‘aluguel’ no período de mais de três anos em que a promitente compradora permaneceu no imóvel, e não foi ressarcida de nenhuma das despesas que teve com a venda do bem (corretagem, anúncios, expedientes etc.), mostra como é difícil contratar e rescindir contratos num ambiente de insegurança jurídica como se vive no País.
Infelizmente alguém sempre acaba pagando essa conta. Não sabemos quem é, mas certamente não são as pessoas que ganham acima de R$ 12 mil por mês.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709, fax (41)224-1156 e e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.