A coluna com o tema “Quem tem direito à herança” repercutiu além do esperado, trazendo uma série de indagações por parte dos leitores. Casos da vida real ajudam a compreender qualquer teoria. Vejamos, pois, dois deles, sobre o assunto.
l.Um casal teve o casamento sob o regime parcial de bens, cuja esposa tinha um apartamento em seu nome quando casou e herdou após o casamento, devido ao falecimento de sua mãe, um outro imóvel. Ela faleceu sem deixar filhos. Seus pais também já faleceram. Pergunto: O cônjuge tem direito ao apartamento se ela já o possuía ao casar-se? E sobre o segundo imóvel? Os tios da esposa ainda estão vivos (irmãos da mãe). Eles não teriam o direito sobre o apartamento?
Inicialmente esclarecemos que o cônjuge é herdeiro, pois se encontra como terceiro na ordem da vocação hereditária (Cód. Civil, art. 1.603, III), estando seu direito sucessório regulado pelo mesmo diploma legal (arts. 1.611 e parágs.).
Desta forma, se o cônjuge falecido não deixou descendentes (filhos, netos) ou ascendentes (pais, avós), o cônjuge sobrevivente herda. Os colaterais (irmãos, tios e sobrinhos) só herdam se inexistir cônjuge sobrevivente.
Por outro lado, esclarecemos que não se deve confundir o regime matrimonial de bens com o direito sucessório do cônjuge sobrevivente. São institutos diversos. O cônjuge pode não ser meeiro, em virtude do regime matrimonial adotado, mas nem por isso deixará ele de ser herdeiro. A meação é um efeito da comunhão de bens, ao passo que o direito hereditário não depende do regime de bens.
Todavia, a lei exige como requisito para o deferimento do direito sucessório do cônjuge sobrevivente, a título de propriedade, que “ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal” (Cód. Civil, art. 1.611). Ou seja, quando do falecimento, o casamento não poderia estar desfeito.
Cabe esclarecer, ainda, que o cônjuge não é herdeiro necessário. Só os ascendentes e os descendentes o são. Isso quer dizer que se houver testamento do cônjuge falecido deixando todos os bens a outras pessoas, o cônjuge nada herda. Se o falecido não testou ou testou parte do seu patrimônio, desde que atendidos os requisitos demonstrados anteriormente, a parte remanescente ou o total dos bens, no caso de não existir testamento, irão para o cônjuge sobrevivente.
Concluindo, se a esposa falecida não deixou ascendentes nem descendentes, não fez testamento e estava casada na data de seu falecimento, o cônjuge sobrevivente irá herdar todos os bens por ela deixados, inclusive aquele recebido por herança, uma vez que, como explicado, não há que se confundir o direito à meação com o direito à sucessão. O direito de meação só seria discutível, se a esposa falecida tivesse deixado ascendentes ou descendentes. Neste caso, estes herdariam e o cônjuge sobrevivente teria direito à meação, se estivesse casado sob o regime da comunhão universal ou parcial de bens.
2.Gostaria de saber se tenha direito à herança deixada por minha prima que faleceu, não deixando filhos e sendo solteira , tendo os pais falecidos. Sendo os seus parentes mais próximos dois tios vivos e outros falecidos. Dos quatro falecidos, dois não deixaram cônjuges e filhos, o outro deixou uma esposa viva e a outra, cujo esposo é falecido, deixou quatro filhas vivas entre as quais estou. Reafirma então minha pergunta: sendo minha mãe irmã deste meu tio já falecido, pai desta minha prima que deixou a herança, tenha eu bem como minhas três irmãs direito a ela?
Diga-se, em primeiro lugar, que se a falecida não deixou filhos ou netos nem pais ou avós ou cônjuge, os colaterais receberão a herança.
Também na classe dos herdeiros colaterais os mais próximos excluem os mais remotos (Cód. Civil, art. 1.613). Assim, se no caso apresentado, a falecida também não deixou irmãos ou sobrinhos, os tios recebem a herança. Os primos só receberiam a herança se todos os tios fossem falecidos. Existindo tios vivos, os primos não herdam.
Também não existe, no presente caso, o recebimento de herança por representação. Se a extinta deixou dois tios e quatro primas, filhas de outro tio já morto, não têm estas direito de representação, ou seja, as primas, filhas do tio premorto, não herdam em seu lugar. Somente os tios sobreviventes herdam o total da herança.
Para não deixar dúvidas, esclarecemos o que é direito de representação. De acordo com a Lei Civil, a pessoa sucessível herda por direito próprio, em seu nome, ou em virtude de representação. Herda em seu próprio nome quando, em razão do parentesco com o falecido, vem a ser herdeiro mais próximo, sendo por isso chamado à sucessão. Herda pelo direito de representação, quando convocado a suceder em lugar de outro herdeiro, parente mais próximo do falecido, mas anteriormente premorto, ausente ou incapaz de suceder, no instante em que se abre a sucessão.
O exercício do direito de representação exige alguns requisitos. Determina a lei que, na linha transversal, só se dá o direito de representação em favor dos filhos dos irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem. Quanto aos demais, os mais próximos excluem os mais remotos (Cód. Civil, arts. 1.612, 1.613 e 1.622).
No caso prático em questão, só receberão a herança os tios da falecida que estavam vivos por ocasião de seu falecimento. Quando aos primos, não receberão a sua herança, nem em seu próprio nome e nem por representação.
Importante: Esta coluna foi feita com a colaboração indispensável da advogada Josélia A Küchler, consultora do Telejuris.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (041)224-2709 e fax (041)224-1156.