Certas questões permanecem durante décadas em estado dormente, suscitando poucas respostas dos juízes, como se a norma legal fosse até desnecessária. Quando acordam, transformam-se numa torrente de controvérsias. Assim aconteceu com o tema da fiança locatícia.
O que era um lago plácido ou rio remansoso virou um caudal de embates, surpresas e frustrações. O que exatamente fez com que os juízes e tribunais mudassem radicalmente de posição, passando a exonerar os fiadores? Não sabemos. Nosso palpite – já manifestado em outra ocasião, meses atrás – é de que a mudança decorreu do descaso com que os fiadores foram tratados, por não serem cientificados de todos os eventos da fiança prestada e, em conseqüência, serem pegos de surpresa com uma execução de aluguéis anos após terem concedido a fiança, o que os levou a reagir com indignação.
Só para relembrar. Houve execuções, Brasil afora, em que o fiador não tinha mais conhecimento do estado da locação havia anos. Em outros casos, após assinar o contrato, dele nem recebeu cópia, nem ficou sabendo se o inquilino, seu afiançado, estava pagando as prestações em dia. Ou se os reajustes estavam sendo feitos de acordo com as determinações legais e contratuais. Dele, fiador, nada se pedia e de nada se informava até que a corda já estivesse rompida.
O novo posicionamento da Justiça, exonerando fiadores que não mais se consideravam obrigados pela fiança, parecia correto, a princípio, pois levava em conta fatores que o tempo havia alterado. Evitava o fator surpresa, de tão dolorosas e surpreendentes conseqüências para quem a sofre.
O caminho do meio
Porém, o pêndulo da mudança de orientação pretoriana, uma vez redirecionado, não parou de movimentar-se na direção oposta. Logo, magistrados de todos os quadrantes do país começaram a exonerar fiadores por qualquer motivo, qual fosse o tempo decorrido desde o início da locação, sem levar em conta as peculiaridades do contrato ou as expressas disposições da lei. Com isso, quem passou a ser surpreendido – a ficar extremamente indignado – foram os proprietários de imóveis. Vestiu-se um santo descobrindo-se outro.
Existe, sim, um meio termo, que ousamos oferecer à consideração da magistratura nacional. Que se exonere o fiador, sim, não em todas as hipóteses em que a locação se prorrogar por prazo indeterminado, mas nas em que o locador não der ciência ao fiador dos eventos decorrentes da locação (aumento do aluguel, atraso no pagamento etc.), deixando-o na ignorância, e não nos casos em que o fiador também for relapso, e não requerer formalmente a exoneração da fiança, como lhe faculta a lei.
Dessa forma, evitaríamos surpresas de lado a lado. Nem o fiador será responsabilizado por compromisso que já supunha extinto, nem o locador verá seu crédito sumir numa só penada, arcando com prejuízo inesperado. Com isso revitalizaremos o instituto da fiança locatícia, que, durante séculos, tão bons serviços prestou à sociedade. A continuar no estado atual, a fiança cairá no valo das normas obsoletas, por falta de uso.
Às imobiliárias que nos lêem, mais uma vez reafirmamos: É preciso dar ao contrato de fiança locatícia a mesma atenção que o contrato locatício recebe. O fiador deve obter cópia de ambos os documentos e ser sempre informado (expressamente) do que acontece na locação. Merece até uma visita pessoal, por que não?
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709, fax (41)224-1156, e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.