Janeiro de 2003 vai marcar o início de um novo Governo e de vigência do novo Código Civil. O momento é bom para relembrarmos um problema do mercado imobiliário, que não foi, infelizmente, motivo de promessa ou campanha de qualquer dos candidatos, mas que afeta hoje milhões de brasileiros das classes de menor poder aquisitivo. Referimo-nos à falta de escritura e de registro da propriedade imobiliária.
Segundo o representante do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil no Paraná, José Augusto Alves Pinto, o índice de transações de imóveis que não passam pelos cartórios alcança 40% do total. Ou seja, quatro de cada dez donos de apartamentos e casas não possui escritura definitiva com o indispensável registro.
Os números não são exagerados, pois em certas cidades e segmentos sociais o índice de proprietários de papel malpassado ultrapassa 50%. Quem é dono só dispõe de uma procuração ou de uma promessa de compra e venda por instrumento particular.
Muitas são as conseqüências e desvantagens para o proprietário sem título. Em primeiro lugar, está sujeito a chuvas e trovoadas. Submete-se, consciente ou não, à sorte e à vontade do promitente vendedor. Este poderá vender o mesmo imóvel a outra pessoa (cometerá crime, é certo, mas quantos não se preocupam com isso?), poderá tornar-se insolvente (a penhora recairá sobre o bem em seu nome), poderá recusar-se a assinar a escritura de compra e venda (ou complicar na hora H, fazendo exigências não previstas no trato) etc.
A segunda repercussão da falta de escritura é que o imóvel não faz parte do patrimônio do adquirente. Por não estar em seu nome, não serve para fins cadastrais, já que, se for residencial e único, não contará como lastro de sua idoneidade financeira para obtenção de crédito a custo baixo junto a bancos e financeiras. Será mais um brasileiro “beneficiado” pela lei de proteção ao bem de família, que, por falta de garantia real, se sujeitará aos pesados juros do crédito pessoal.
Em terceiro lugar, não se pode olvidar que as transações imobiliárias informais não geram recursos para o Estado, em nenhum de seus níveis. Não se paga imposto de transmissão, não se agrega valor ao bem, não se recolhe imposto de renda se houve valorização imobiliária e por aí vai. O próprio mercado imobiliário sofre.
O fato indiscutível, caro leitor, é que a falta de documentação faz parte da engrenagem nociva que perpetua a pobreza no país. Sem papel passado e registrado, o comprador não é verdadeiramente proprietário, nem se sente portador desta qualidade. Age como simples detentor ou possuidor provisório do imóvel, e não com o zelo e a senhoria que distinguem quem se encontra investido do domínio sobre o bem.
Para que investir e cuidar do apartamento, se logo será passado adiante ou se poderá perdê-lo pelo “rolo” em que se encontra? Para que pagar o condomínio em dia e manter boas relações com os vizinhos, se em breve vai mudar-se para outras plagas? Para que defendê-lo com ardor, se não serve nem como garantia para a obtenção de crédito com juros decentes?
Milhões de brasileiro estão sofrendo as conseqüências de uma política que desestimula a obtenção da correta documentação imobiliária. Está na hora de mudar, para o bem do povo, sim, do povo menos favorecido. Pensem nisso.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41)224-2709, fax (41)224-1156, e-mail lfqueirozadv@softone.com.br.