O fiador ainda não morreu. Algumas decisões judiciais têm dando sobrevida à instituição da fiança no Brasil, flechada de morte nos últimos anos em razão de acórdãos das cortes superiores no sentido de exonerar o fiador (isto é, deixar o proprietário em completo prejuízo) mesmo em hipóteses em que não houve acordo para a majoração do aluguel ou que a locação se prorrogou automaticamente por imposição da lei.
Ainda não é uma tendência, mas já aumenta o número de arestos que discordam da Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça, que consolidou uma posição específica, no sentido de proteger o fiador quando não participou de alteração contratual, e que acabou (a Súmula) recebendo interpretação alargada, para incluir casos nela não previstos.
O acórdão de hoje nos foi remetido pelo dinâmico presidente da Associação dos Advogados do Mercado Imobiliário do Paraná – Apami, Carlos Roberto Tavarnaro, com a observação de que “o bom senso da maioria triunfou sobre a equivocada interpretação da Súmula 2l4 do Superior Tribunal de Justiça”. Em agravo de instrumento (225.937-2), por maioria, os juízes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná assim se pronunciaram:
“Toda a regulação da locação predial urbana desde muito tempo deixou os lindes do Código Civil, passando a operar-se via legislação especial, hoje consolidada na Lei n. 8.245/91, e este diploma, expressamente, estabelece no seu art. 39, com vistas à fiança, inclusive, que ‘Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel’, não sendo demais ressaltar que in casu, como consta no contrato às fls. 18/19, os fiadores obrigaram-se ‘até a desocupação e entrega formal do referido imóvel, inclusivo havendo prorrogação do contrato por tempo indeterminado, quando continuarão vigindo as cláusulas, condições e garantias’.”
Lê-se no corpo do acórdão, nas palavras do relator:
“Data vênia dos entendimentos em contrário, considero no mínimo criticável a novel corrente pretoriana, originada no Egrégio Tribunal Superior de Justiça, que abraça a tese no sentido de que a fiança prestada no contrato de locação a título de garantia acessória do pacto, devendo ser interpretada restritivamente a teor da lei geral (CC, art. 1.483), não se estende além do prazo contratual.”
Destaca ainda que “desde os primórdios da legislação especial de regência da locação de prédios urbanos – e já se passam mais de cinqüenta anos -, apesar de todo o favorecimento legal em benefício do locatário e de seus garantes, nunca antes se cogitou na limitação temporal da fiança, desde que, por óbvio, contratada para subsistir até a efetiva entrega do imóvel ao locador”.
O relator do feito entende que, a perdurar o entendimento do STJ, “haverá dificuldade em ajustar prazos contratuais e eficácia das respectivas fianças, ou seja, a cada intervalo da relação ex-locato, deverá a mesma ser repactuada para que a garantia acessória não se desfaça, e isto ocasionará inelutáveis embaraços de ordem prática, a par de se constituir também em permanente foco de divergências, que fatalmente irão desaguar nos escaninhos do Judiciário”.
A íntegra do acordo pode ser facilmente obtida via internet. Há outros argumentos favoráveis e também a manifestação do juiz que votou contra.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.