Algumas regras básicas do nosso ordenamento jurídico parecem estar sendo esquecidas ou, ao menos, relegadas a segundo plano. Uma delas é a que diz que só é dono quem registra. Desconhecemos as estatísticas, se é que existem, mas sabemos de centenas e milhares de casos de pessoas que adquirem imóveis financiados sem se preocupar em obter a escritura pública e muito menos em proceder ao registro da transmissão da propriedade.
Diz a lei que “adquire-se a propriedade imóvel: I – pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel”(Cód. Civil, art. 530), e que “estão sujeitos à transcrição, no respectivo registro, os títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos”(Cód. Civil, art. 531), tais como a compra e venda, a dação, a doação etc.
Escritura pública
Ângelo Volpi Neto, presidente do Colégio Notarial do Brasil, discorrendo sobre o assunto, lembra que ao adquirir um imóvel, o comprador pode cercar-se de várias garantias para assegurar um bom negócio. Uma delas é a realização de escritura pública lavrada em cartório, o que elimina a possibilidade do comprador adquirir um imóvel que esteja hipotecado ou não esteja da posse do vendedor.
Lembra o presidente dos notários que “para a lavratura da escritura, o tabelião segue um rito que procura dar todas as garantias ao comprador, ou seja, analisa a documentação e dá seu parecer jurídico, procedente ao levantamento das certidões necessárias que dão garantia à compra”. Como regra geral, no sistema legal do Brasil, a escritura pública “é da substância do ato” (Cód. Civil, art. 123), ou seja, é necessária para que o ato de transmissão da propriedade tenha validade, excetuando-se as hipóteses previstas em lei, como em relação aos imóveis adquiridos através do Sistema Financeiro de Habitação, cujas escrituras podem ser feitas por instrumento particular.
Uma outra particularidade referida por Ângelo Volpi Neto é que nas escrituras públicas, o proprietário do imóvel declara sob pena civil e criminal que o objeto da venda encontra-se inteiramente livre e desembaraçado de quaisquer ônus. Mas ele mesmo reconhece que tal declaração, que por si só deveria ser suficiente para dar garantia à transação, pois vender algo que não lhe pertence constitui estelionato, não vem tendo a devida aplicação judiciária, com prejuízo para os adquirentes de boa-fé.
Procuração
Nos conjuntos habitacionais de baixa renda, existentes em todas as médias e grandes cidades do País, criou-se o costume de se comprar e vender imóveis financiados por simples recibos, contratos particulares e até por procuração. O titular da propriedade, ao realizar-se a primeira alienação, comparece a um cartório e constitui o adquirente como seu procurador, dando-lhe poderes para transferir o imóvel a quem desejar. Ao acontecer a segunda venda, o primeiro comprador substabelece a procuração ao novo “proprietário” e assim é feito sucessivamente, de mão em mão, até que o último tenha interesse e condições de transferir a propriedade para seu nome.
Compreende-se que tal prática seja oriunda do elevado custo das escrituras e registros imobiliários, mas principalmente da burocracia e das condições impostas na transferência do financiamento do imóvel (o saldo devedor é refinanciado, elevando em muito o valor da prestação), mas não se pode deixar de alertar quem compra casa ou apartamento em tais circunstâncias do risco que está assumindo, uma vez que nada impede que o verdadeiro proprietário, outorgante da procuração, transfira o bem para outra pessoa qualquer ou que simplesmente revogue a procuração.
Se nada se fizer a respeito, em poucos anos a garantia da escritura pública e do registro de imóveis constituirão um luxo. Registre-se e aguarde-se.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (041)224-2709 e fax (041)224-1156.