Artigo Nº 280 – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO

É sabido que não se pode intentar ação de usucapião para obter o título de área de propriedade comum, ou seja, da qual o usucapiente já tenha posse e domínio, ainda que parcial. A casuística judicial, no entanto, enfrenta às vezes situações que levam os tribunais a julgar de modo excepcional, para atender às peculiaridades de casos inusitados.

Nesse sentido, decisão da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (apelação cível n. 130.728-4/0-00), relatada pelo desembargador Paulo Hungria, ilustra bem a questão, ao propiciar ganho de causa a co-proprietário contra os demais comunheiros.

Diz a ementa: “Ação de usucapião extraordinário de imóvel. Admissível, ante as peculiaridades do caso concreto, ação de usucapião intentada por condômino. Posse exclusiva da área determinada. Título e domínio, ademais, com descrição vaga e imperfeita do todo, a impossibilitar a identificação do imóvel. Sentença afastada. Apelação provida.

Em seu relatório, o desembargador Hungria explica que a sentença de primeiro grau extinguiu, sem exame de mérito, processo contendo pedido de usucapião extraordinário por falta de interesse processual, tendo em vista de os requerentes terem domínio, como co-proprietários, de parte ideal sobre o imóvel maior, não sendo possível usucapir imóvel do qual sejam os próprios possuidores. Na apelação, estes alegam que a divisão do todo seria totalmente inviável, razão por que caberia o usucapião sobre a parte certa e determinada de sua posse mansa e pacífica.

Em seu voto, o relator justifica seu entendimento argumentando:

“A ação de usucapião de imóvel, em princípio, somente poderia ser promovida pelo não proprietário, pois o fim colimado pelo usucapiente é o reconhecimento de domínio de área sobre a qual exerce posse, com animus domini, nas condições exigidas pela lei.

No entanto, – prossegue – há situações excepcionais, como a da espécie em debate, que tornam admissível o pedido de usucapião formulado por quem já ostenta domínio.

É que o título dos apelantes, a despeito de registrado (…), não oferece a mínima identificação do imóvel, nem mesmo do todo, dificultando, sobremaneira, até eventual ação de divisão.”

Votaram com o relator, determinando o prosseguimento da ação, os desembargadores Cesar Peluso e J. Roberto Bedran.

No caso apresentado, o aspecto que beneficiou o apelante foi a inexistência de documentação correta do imóvel maior, com todas as suas confrontações e determinação exata de área. Trata-se, como se vê, de condomínio tradicional, de propriedade de dois ou mais sobre um imóvel único.

No condomínio edilício, será mais difícil obter o reconhecimento de domínio sobre área comum, pois todas as medidas do prédio e do terreno estão identificadas; ademais, a posse privativa de um consorte sobre parte certa e determinada do edifício (exemplo: cantos junto à sua vaga de garagem) não caracteriza, em tese, o animus domini, mas sim mero uso exclusivo com permissão tácita dos demais comunheiros. Mas não é impossível. Na justiça, vale o que parece e suas circunstâncias, como diria Ortega Y Gasset.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.