Artigo Nº 290 – MAU VIZINHO É QUALQUER UM

Nas relações de vizinhança, pouco importa a que título alguém utiliza um imóvel, se na qualidade de proprietário, comodatário, inquilino, possuidor, cessionário ou outro qualquer. Sendo morador ou simples usuário do bem, responde pela transgressão das normas que disciplinam a convivência entre pessoas que residem ou trabalham próximas umas das outras.

Este entendimento foi confirmado por decisão do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da Terceira Câmara (Resp. 622.303-RJ ou 2003/0221270-7) relatado pela ministra Nancy Andrighi, cuja ementa mostra o seguinte cerne:

O ocupante do imóvel é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação de obrigação de fazer, ajuizada pelo proprietário ou pelo inquilino do imóvel vizinho, fundada no mau uso da propriedade.

A ação inicial teve como escopo obrigar um vizinho a remover “cerca de 25 cães” do imóvel onde reside, ao argumento de que isso representava uso nocivo da propriedade, “contrariando as disposições condominiais e as regras de urbanidade e de boa vizinhança”, como explica a ministra relatora.

Julgado parcialmente o pedido, em sede de apelação o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a sentença, no sentido de limitar a três o número de cães admissíveis em uma residência, ditando tal ordem com base em disposição legislativa (Decreto 6.235/86, art. 203) pela qual “estabelecimentos que criem animais não podem se localizar a menos de 50m das divisas vizinhas”. Manter 25 animais numa casa ultrapassa os limites da necessidade humana de possuir a companhia de um bichinho de estimação. Inconformado, o dono dos cães interpôs recurso especial ao STJ.

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi apreciou a legitimidade passiva da parte, questão suscitada sob a alegação de que a ação deveria ser movida contra a “empresa promissária compradora do imóvel”, tendo em vista o que prescrevia o Código Civil de 1916 a respeito: “Art. 554. O proprietário, ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam.”

Embora a lei só se refira ao “proprietário, ou inquilino de um prédio”, o preceito insculpido no artigo citado, assim como no artigo 1.277 do Código Civil de 2002 que o substituiu – lembra a relatora – há de ser oponível ao responsável pela alegada perturbação, que não é necessariamente o proprietário do imóvel”. Cita Pontes de Miranda, para quem a ação pode ser movida contra o proprietário ou contra quem ‘exerça a posse direta’, no caso, não só o inquilino, como ‘o foreiro, o usufrutuário… o usuário… o habitador… o credor anticrético”.

Em síntese, diz a ministra: “Assim, a obrigação de não causar interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde surge da qualidade de vizinho e não da de proprietário.”

Votando com a relatora, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro afirmou que “pelas próprias regras do bom senso, não há conceber como possa um apartamento destinado à moradia de pessoas ser desvirtuado de tal forma a ser habitado, em última análise, por animais domésticos”. Completou a decisão unânime o ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.