Artigo Nº 296 – COMPROMISSOS SEM REGISTRO

A falta de registro de compromissos de compra e venda de imóveis tem ensejado muitos prejuízos aos adquirentes, também surpresas desagradáveis aos credores do alienante e ainda um incentivo à prática de fraudes e falsificações. Dizemos isto porque, no Brasil, apesar da clareza da lei, perdeu força a norma segundo a qual só é proprietário quem registra seu título.

Prescreve a lei que “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis” (Código Civil, art. 1.245) e que “enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel” (idem, parág. 1º). Tal regra não tem sido aplicada com rigor, conforme se vê ao consultarmos qualquer repertório de jurisprudência.

Em todos os níveis, a Justiça brasileira reconhece que o promitente comprador, mesmo sem registro, pode opor embargos de terceiro em execução de título movida contra o alienante (verdadeiro dono segundo a lei) sob o simples argumento de que está na posse do imóvel, posição já consolidada na Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça.

Ementa do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, relatada pela desembargadora federal Ramza Tartuce (ap. 89.03.004292-1-SP), por exemplo, sintetiza bem o conceito de que o adquirente deve ser protegido, mesmo quando negligencia no registro de sua nova aquisição. Diz a relatora:

“É de se prestigiar o terceiro possuidor e adquirente de boa-fé, com base em contrato de compromisso de compra e venda, não inscrito no Registro de Imóveis, no caso em que, à época da alienação, não havia demanda contra os vendedores. Precedentes do STJ.”

Somente quando o compromisso for celebrado após a propositura de execução contra o devedor-alienante é que não mais se admite a procedência dos embargos de terceiro interpostos pelo adquirente.

O xis da questão reside no fato de que, infelizmente, no país, é muito fácil forjar uma escritura particular de compra e venda com data anterior ao início da execução, dando-lhe características de documento velho, bom a propiciar os embargos. Compromissos elaborados na última hora, com data atrasada, são convalidados com o reconhecimento das firmas também com data antecipada, em cartórios sem idoneidade, o que leva os juízes a cometerem grandes injustiças quando pensam estar corrigindo uma maldade a ser cometida contra o infeliz adquirente que, por ingenuidade ou ignorância, deixou de registrar seu imóvel.

Sem dúvida, há hipóteses em que o promitente comprador é realmente pessoa de boa-fé, em que efetivamente pagou todo o preço indicado no documento, em que se encontra na posse do bem desde antes do ingresso da execução, em que, em suma, seria atroz e sumamente injusto permitir que perca sua propriedade só porque não a registrou.

Em grande parte dos casos, porém, as circunstâncias indicam que o título não é bom, que não houve pagamento real do preço e que a posse é fabricada. Nesses casos, data vênia, deve prevalecer o que diz lei, reconhecendo-se ao credor do alienante o direito de penhorar o imóvel e levá-lo a praça, até a satisfação de seu crédito.

A Justiça tem de ser cega (imparcial) mas não pode perder de vista o que acontece na realidade do país.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 224-2709, fax (41) 224-1156, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.