Nas doações de imóveis feitas com cláusula de inalienabilidade é possível vender o imóvel gravado, com a devida autorização da Justiça, desde que a restrição seja transferida para outro bem.
É nesse sentido a lição da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em recurso especial (2001/0061447-0) relatado pelo ministro Aldir Passarinho Junior.
A longa ementa exige pequeno esforço de leitura e compreensão: “Conquanto admissível temperar-se o disposto no art. 1.676 do Código Civil anterior, de modo a ser eventualmente possível, em circunstâncias excepcionais, atenuar as cláusulas de impenhorabilidade e inalienabilidade impostas pelo doador, para evitar prejuízo aos donatários, é necessário que as justificativas apresentadas convençam as instâncias ordinárias, o que, no caso, não ocorreu, porquanto se o imóvel é velho e necessita de reparos, impedindo a auferição de lucro, a solução aberta pelo Tribunal a quo, de autorização de venda vinculada à aquisição de outro, com sub-rogação da cláusula, se afigurou mais harmônica com a necessidade dos requerentes e a vontade do doador, mas aqueles por ela não se interessaram, resultando no indeferimento do pleito.”
Esclarece o ministro que, ao julgar a questão em segundo grau o Tribunal de Justiça de Minas Gerais não havia concordado com a pretensão dos donatários de cancelarem as cláusulas de inalienabilidade, de incomunicabilidade e de impenhorabilidade impostas por doador já falecido, sob o argumento de que, com o aumento do número de herdeiros, tornara-se difícil administrar o patrimônio com a restrição imposta à propriedade, especialmente porque se tratava de doação antiga, cujos bens necessitavam de reformas urgentes e não mais apresentavam rendimentos razoáveis, causando prejuízo aos herdeiros.
O argumento não prosperou. Ao proferir seu voto, o ministro Aldir Passarinho Junior enfatiza: “Disse o Tribunal, como visto, que se o problema é a dificuldade de manutenção do imóvel, já velho, seria possível a sua venda, mas desde que com sub-rogação do resultado auferido na compra de outro bem de valor equivalente, mantendo-se, com isso, a finalidade das cláusulas de proteção, mas, em contrapartida, solucionando o problema da idade do imóvel e as dificuldades da sua manutenção e auferição de renda”.
Lembrou, ainda, o relator que, ao disciplinar a matéria, o artigo 1.676 do antigo Código Civil já havia recebido uma interpretação menos ortodoxa, em situações especiais, em que as circunstâncias indicavam a necessidade de se atenuar o ônus imposto pelo doador, como ocorrera em caso julgado pelo STJ (Resp n. 303.424-GO), que autorizou a liberação de 20% de área rural, para permitir a obtenção de financiamento necessário ao custeio da lavoura.
O assunto está atualmente regulado pelo Código Civil, nos seguintes termos:
“Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.”
Votaram com o relator os ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha e Fernando Gonçalves. A íntegra está disponível no sítio no STJ na Internet ou no “Diário das Leis Imobiliário”, edição do 1º decêndio de março de 2006.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (341) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.