Área doada por construtora a município, em empreendimento imobiliário, não pode posteriormente ser utilizada com exclusividade pelos moradores de condomínio, mesmo que seja a única forma de acesso ao prédio e às garagens. Tal atitude configura esbulho, passível de ação de reintegração de posse em favor da coletividade, visando eliminar o privilégio.
Assim julgou o Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial (n. 189.690-RS) relatado pelo ministro Aldir Passarinho Junior, da 4ª. Turma.
Colhe-se do relatório, nas alegações do condomínio, que o município recebera da construtora a área doada para realizar “obra viária a fim de permitir o ingresso no prédio, o que não foi por ele cumprido, de modo que somente restou aos moradores a via ainda disponível, que se situa na área vindicada”.
Em contra-razões, o município sustenta ser proprietário das áreas, faltando ao condomínio recorrente “título que justifique a posse”, de modo que fundamentada a reintegração.
Em seu voto, o ministro Aldir Passarinho Junior argumenta que “a posse do particular sobre área pública reveste-se (e o contrário, no caso, não se provou) de precariedade, de sorte que, notificado, não tem como, sem incidir na caracterização do esbulho, se manter nessa situação de possuidor”.
Prossegue adiante: “A rigor, a vingar a [respeitável] sentença apelada, estar-se-ia consagrando autêntica desapropriação às avessas. O particular estaria se assenhorando, modo definitivo (não se disse, afinal, e nem se teria como dizer, até quando iria perdurar a posse exclusiva do Condomínio, presumindo que tal se daria ad eternum), de área reconhecidamente pública. Pior: sem nada pagar.”
O julgador não se deixou impressionar pelo argumento de que “o corredor seria a única via de acesso dos condôminos ao prédio”, inclusive os motorizados, ao estacionamento, bem como de que a primeira área doada estaria encravada. A razão está em que – no dizer do ministro –, “a procedência da ação possessória não impediria o acesso em foco, apenas que retiraria dos condôminos a condição de exclusividade (para o que não têm direito) na utilização das áreas”.
Conforme a escritura de doação, o primeiro terreno doado seria destinado a compor leito de rua e o segundo para cumprir exigência de área de destinação pública. Contudo, “seja qual tenha sido o escopo da doação, verdadeiramente não se identificara na escritura qualquer alusão a uso exclusivo das áreas pelo condomínio-réu”.
Mais adiante, deixou bem claro o ministro que “ainda que a via pública não tenha sido alargada pelo Município, o certo é que a área restante também não pode ser apropriada, em substituição, pelos condôminos”. Restou “ao menos, uma servidão de passagem em favor do condomínio, porém, realmente, de trânsito não exclusivo”, e a possibilidade de negociar com a Prefeitura a troca da área pretendida por outra a ser adquirida.
Votaram com o relator os ministros Jorge Scartezzini e Cesar Asfor Rocha. A íntegra do acórdão pode ser examinada no site do STJ, na Revista Bonijuris n. 512, de julho de 2006, ou no sítio www.bonijuris.com.br.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.