Artigo Nº 352 – NULO É O PACTO COMISSÓRIO

Desde que o novo Código Civil entrou em vigor no início de 2003, restou sepultada a cláusula de pacto comissório, até então presente na maioria absoluta dos contratos de compra e venda de imóveis.

Como se recorda, pacto comissório era a cláusula inserida nos contratos de alienação imobiliária com preço em prestações, pela qual se o devedor deixasse de honrar algum dos pagamentos perderia automaticamente o bem adquirido em favor do alienante, sem devolução dos valores pagos. Impunha com o máximo rigor o cumprimento das avenças.

Na década de 90, o Código de Defesa do Consumidor já havia estabelecido uma “nova mentalidade em favor dos devedores e de sua dignidade”, no dizer de Hércules Aghiarian (Curso de Direito Imobiliário), acabando com a resolução automática do contrato e obrigando o credor a ressarcir o devedor pelas importâncias pagas, conforme fixado em vasta jurisprudência.

No Código Civil revogado, o tema estava regulado com a seguinte regra: “Art. 1.163. Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia, poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato, ou pedir o preço. Parágrafo único. Se, em 10 (dez) dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não reclamar o preço, ficará de pleno direito desfeita a venda.”

Note que a disciplina é draconiana. Para desfazer o negócio, não precisava notificar o devedor, bastava aguardar o transcurso do prazo de (apenas) 10 dias. No Código em vigor não existe artigo similar.

Inovação

O Código de 2002 (art. 1.428) replicou norma já existente no diploma de 1916 (art. 765), nos seguintes termos: “É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.” Acrescentou-lhe, contudo, um adendo: “Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.

Embora a legislação mencione apenas débitos decorrentes de penhor, anticrese e hipoteca, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a proibição do pacto comissório “não se limita aos casos expressamente previstos” no Código Civil, incidindo em contratos de mútuo, parcelamento do solo, compra e venda e outras formas de transferência da propriedade imobiliária com pagamento protraído no tempo, ou seja, todas as hipóteses em que se convenciona que o credor poderá ficar com o imóvel prometido à venda caso o adquirente não cumpra a forma prevista de pagamento.

A inovação trazida pelo parágrafo único do artigo 1.428 permite que o devedor inadimplente dê o próprio imóvel adquirido como pagamento de sua dívida, sem que tal ato constitua burla do princípio da proibição do pacto comissório.

No caso, há uma diferença fundamental. O que é proibido é estabelecer tal cláusula no instrumento de transferência ou garantia, momento em que o pretendente ao bem se encontra sob a influência da vontade do credor. Depois de lavrado o contrato e já tendo vencido uma ou algumas prestações, o devedor fica desvinculado psicologicamente, podendo, por sua livre decisão, oferecer o bem como forma de pagamento do débito em que incorreu, sem constrangimento ou restrições de ordem ética ou consumerista.

É o que deduzimos da leitura da lei.

Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.