A questão da fiança locatícia sofreu reviravoltas tanto do ponto de vista da jurisprudência como da legislação, na última década.
Por longos lustros, prevaleceu o entendimento de que o fiador somente poderia exonerar-se da fiança que tivesse assinado “sem limitação de tempo” se entrasse em comum acordo com o beneficiário (“ato amigável”) ou mediante sentença que o exonerasse (Cód. Civil de 1916, art. 1.500). Igualmente era certo que a fiança poderia ser contratada além do prazo inicial do contrato, ou seja, “até a efetiva devolução do imóvel” (Lei 8.245/91, art. 39).
Submetidos a tais constrangimentos legais, os fiadores viviam conformados, aceitando o encargo somente nas situações mais indeclináveis, como relações familiares ou dívida moral indelével.
O primeiro sobressalto neste mar de tranquilidade sobreveio na segunda metade da década de 90, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mudou de posição e passou a entender – contra literal disposição da lei – que a fiança não poderia ser estendida até a entrega das chaves, deixando com isso milhares de locadores a ver navios, isto é, sem conseguir receber dos fiadores o aluguel devido por seus afiançados durante meses e até anos de uso do imóvel. Somente após cerca de 10 anos de monumental empenho de locadores e entidades representativas, por meio de seus advogados, retornou o entendimento do STJ ao previsto na Lei das Locações.
Não se pense, contudo, que a situação voltou a ser como era antes. Porque houve, neste interregno, mudança da legislação, através do já não tão novo Código Civil de 2002, o qual, sem coibir a fiança até a entrega das chaves, facilitou ao fiador desobrigar-se do compromisso assumido sempre que a fiança for ou tornar-se por prazo indeterminado. Tal norma, pouco divulgada até o presente, tem a seguinte redação:
“Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.”
A exoneração deixou de ser ato bilateral (distrato) ou judicial (sentença). Desde o início de 2003, quando entrou em vigor o novo Código Civil, a exoneração da fiança pode ser determinada unilateralmente, por iniciativa do fiador, “sempre que lhe convier”, desde que o termo assinado tenha sido “sem limitação de tempo” ou por tempo indeterminado ou incerto (até a entrega das chaves), e que faça a devida comunicação ao locador do imóvel por meio de “notificação do credor”.
Toda a questão exposta acima foi analisada com profundidade em acórdão da Quinta Turma do STJ (n. 1.090.298/SP), relatado pelo ministro Arnaldo Esteves Lima (publicado na Revista Bonijuris n. 546, de maio/2009), ao qual remetemos o leitor.
O direito vigente coloca o administrador/locador do imóvel diante de um quase-dilema: se não renovar a locação, findo o prazo estipulado, corre o risco de ver o fiador exonerar-se da fiança, obrigando-se com isso a notificar o inquilino para que providencie novo garantidor da locação no prazo de sessenta dias; se renova a locação, também ficará sujeito aos percalços para induzir inquilino e fiador a confirmarem seus compromissos, o que nem sempre é factível.
O bom administrador saberá o que fazer.
Luiz Fernando de Queiroz é autor do TPD-Direito Imobiliário e do Guia do Condomínio IOB, fone (41) 3224-2709, e-mail lfqueiroz@grupojuridico.com.br.